terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Uma cidade à mercê.

Após quatro dias de anexação ao território da Destaque, durante o "carnaval fora de época" que perturba e sufoca quem reside em Lagoa Nova e adjacências, as coisas voltaram ao normal mas tendo como resultado uma insuportável fedentina de urina e dejetos, para desespero de seus moradores, vítimas da barulheira infernal que agride o sossego, num flagrante desrespeito à condição humana. Os escombros deixados ao relento pareciam efeitos de um tsunami arrasador. De lá foram retiradas toneladas de lixo depositadas do corredor da imundície.

Demonstrando insensibilidade com o sofrimento alheio, a empresa organizadora do evento conseguiu na justiça permanecer no local, apesar de não ser área apropriada para este tipo de festa, obtendo decisões favoráveis em primeira e segunda instâncias. Embora a Promotoria do Meio Ambiente tenha demonstrado com estudos técnicos especializados, a inapropriedade do local para tal festa, por conta da densidade populacional e do barulho ensurdecedor. Mesmo assim, foi concedida autorização atropelando a cidadania indefesa.

Para ter acesso às suas casas ou apartamentos durante o período de orgia, os moradores devem ter autorização da Destaque, sob pena de serem impedidos pela polícia. O poderio arbitrário se assemelha a Alemanha nazista que confinava judeus em guetos assumindo o controle total, ordenando até o horário de recolhimento. Assim procede a empresa festeira com os moradores de Lagoa Nova, que não têm mais a quem recorrer, apesar da violação explícita ao direito de ir e vir, inadmissível num regime democrático.

Para melhor desempenho da festa, postes são arrancados, fiação da rede elétrica remanejada; semáforos apagados; trânsito modificado, ocasionando engarrafamentos e colisões; paradas de ônibus alteradas; casas comerciais localizadas nas imediações do tumulto protegidas por tapumes e o Centro Administrativo paralisa o expediente durante dois dias. Todos esses transtornos aos quais a população é submetida não são em favor de uma causa nobre como se poderia pensar.

Pelo contrário. O sacrifício é destinado aos privilégios de um seleto grupo, que rateia a dinheirama recolhida entre a baianada ouriçada que rasga falsos elogios à cidade em troca de títulos honoríficos de cidadania natalense, como se fosse mercadoria de pronta entrega. Milhares alcançam o delírio com as declarações recheadas de cifras. A patuléia, como diz o jornalista Élio Gaspari, se sente no paraíso da vulgaridade. O que se viu e ouviu foi um medíocre festival de bajulação e bobagens, numa festa essencialmente exibicionista.

Não temos nada contra qualquer empresa promover eventos para ganhar dinheiro. Faz parte do sistema capitalista em que vivemos. Somos contrários sim, submeter-se parte da população a vexames, por capricho e comodidade, quando o evento poderia ser realizado em outro local que não causasse transtornos aos que moram nas imediações do Machadão. Em outras capitais, as micaretas ou (picaretas?) são realizadas distantes dos centros urbanos.

Estarrecedor é que o zeloso Ministério Público, tão cioso de suas funções em defesa da transparência na aplicação do dinheiro público, não tenha investigado até agora quanto o poder público, leia-se governo do Estado e prefeitura, vem gastando nestes 18 anos nesta festa privada com fins lucrativos, numa parceria inaceitável entre o público e o privado. O argumento de que a festança promove o turismo no Rio Grande do Norte é falácia.

Uma cidade que tem vocação turística pelo exuberante potencial, jamais poderia sobreviver a uma promoção sazonal que ocorre apenas quatro dias por ano. O dinheiro público deve ser aplicado em saúde, educação, segurança, saneamento e em obras de infra-estrutura indispensáveis ao desenvolvimento. Festa privada patrocinada com dinheiro público, num país sério, dá cadeia. Infelizmente, não é nosso caso.

PS: segundo conceito da PM a festa foi tão calma, quanto um encontro de religiosos num colégio de freiras. Sem comentários.

Autor: JOÃO BATISTA MACHADO
E-mail: Jornalista (jbmjor@yahoo.com.br)

Fonte: http://www.jornaldehoje.com.br/, 09.12.2008, as 22h35min
Nota do blog: a justificativa para a postagem deste artigo está destacado por nós em vermelho. Faça sua reflexão e envie seu comentário.

7 comentários:

Anônimo disse...

Mas venhamos e convenhamos que pular carnatal é muuuito bom.. sao 4 dias de folia que alegra a todas as camadas socias, de mim que gastei quase 1,5 mil, ao foliao do cidadao nota 10, que pulou de graça. A vida nao pode ser apenas de ocio, como professores de história vivem, um pouco de folia ao ano cai bem!

João Carlos Rocha disse...

O texto é um pouco exagerado, não é? O uso de adjetivos transformou o Carnatal num verdadeiro festim romano! Também é demais!

No entanto, concordo com muitas opiniões presentes no texto, principalmente acerca da localização e das pessoas que lá moral - esse ano, li numa reportagem no Diário de Natal, que a Destaque foi eximida de pagar hotéis para os moradores prejudicados com o Carnatal. Um absurdo total, pois que, além de ganhar dinheiro às custas do erário público, a empresa não se compromete com os prejudicados.

A atuação da justiça fica à mercê de interesses políticos e, cá entre
nós, numa festa que gera tantos lucros para poucos, fica fácil entender as razões pelas quais nunca foi investigado nada.

Não acho a festa ruim. Muita gente se diverte e fica feliz. São gerados empregos (temporários, é claro) e algumas pessoas conseguem fazer certa economia para o fim de ano.

Só não entendi uma coisa: ócio?

Adailton Figueiredo disse...

Prezadíssimo João Carlos,

Acredito que o anônimo acima pretendia dizer ócio produtivo, lembrando-se, claro, dos gregos...

Anônimo disse...

Anônimo, ninguém está interessado em saber o quanto você gastou no carnatal.

Anônimo disse...

O texto é exagerado mesmo. O "baianada ouriçada" foi bastante infeliz, mas não podemos deixar de concordar com o autor no que se refere ao incômodo aos moradores.
A Grande Natal tem diversos espaços onde se poderia realizar o Carnatal. Se é tradicional a realização em Lagoa Nova ou não, não interessa para os residentes daquela região.
Eu fico lembrando do que Adailton já nos disse em sala de aula sobre pessoas que ouvem som no carro às alturas incomodando os outros, que seria aceitável se aquele espaço fosse deles. O que fazer se quem incomoda tem permissão do Estado?
E o pior é que agora a Destaque tem pelo menos mais 4 anos de Carnatal em Lagoa Nova praticamente garantidos...

Felipe. disse...

Sinceramente, não acho que o texto tenha sido exagerado. Ao invés disso, creio que ele foi certeiro e bastante feliz em seus argumentos ao tratar sobre o carnatal. No Rio de Janeiro, o espetáculo do Carnaval é realizado principalmente no Sambódromo, um local feito especialmente para tal evento, apesar da existência de diversos blocos carnavalescos, mas que festejam tal evento de um modo bem menos agressivo, apenas passando entre as ruas e avenidas da cidade com sua música e seus integrantes. Já em Natal, não se pode dizer a mesma coisa.

Otávio disse...

Resido em Lagoa Nova, próximo à Promater (é inacreditável como nunca reclamou do Carnatal!). Eu e minha esposa passamos três dias suportando essa festa privada medonha bancada pelos órgãos públicos ao lado da minha filha de sete meses com uma infecção bacteriana e febre constante. Isso sem falar em vários hotéis geriátricos que ficam nas imdediações. O Carnatal me convenceu de que há um inferno na Terra e os diabinhos são os sócios da Destaque e os juízes que mantiveram a festa no local.