domingo, 28 de dezembro de 2008

A favela e o palácio.

O Palácio do Planalto, símbolo do poder em nosso país, virou uma favela. E não foi nenhuma voz de oposição ao governo Lula que disse, mas de seu próprio inquilino, o presidente da República.

Num encontro com o arquiteto Oscar Niemeyer, que desenhou a côrte e seus palácios, Lula reclamou dos carpetes antigos, das divisórias malfeitas, do teto mofado e, com a autoridade de quem um dia foi pobre-migrante-favelado, concluiu: “isso aqui tá uma favela!...”

Coincidência ou não, o desabafo do presidente foi feito no mesmo dia em que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) anunciava que 1/3 dos municípios brasileiros convivem com o mesmo problema de Lula.

Dos 5.564 municípios do país, 1.837 têm favelas e outras habitações miseráveis, sem falar nos loteamentos irregulares ou clandestinos. São Paulo, o Estado mais rico da federação, tem 203 municípios com problema de habitação, bem à frente de Pernambuco (109) e o Rio de Janeiro (63).

Na cidade de São Paulo, um em cada quatro paulistanos, ou seja, 3,2 milhões de pessoas vivem em 1.500 favelas ou em 1.200 loteamentos irregulares. É quatro vezes a população de Natal ocupando 10% da paulicéia, gente que ganha menos de 3 salários mínimos mensais e não podem assumir um financiamento habitacional privado.

Parte da falta de moradia na capital foi agravado pelos tucanos do PSDB que há anos controlam o governo do Estado. Eles privilegiam os pequenos municípios, de baixo déficit habitacional, controlados por seus correligionários, em detrimento das cidades maiores, controladas por adversários, onde o problema da falta de moradia é mais grave.

Enquanto isso, o que se vê em São Paulo é um lançamento por dia de empreendimentos dirigidos à classe média, sobretudo a jovens casais e às famílias menores que podem para pagar um financiamento. Para quem está abaixo dessa linha, a saída é sujeitar-se às precárias e arriscas condições de moradia nas favelas e loteamentos clandestinos.

Em Natal não deve ser diferente, talvez seja até pior. Até porque não temos mais a lendária COHAB, que marcou época nos anos 70-80 com a construção de milhares de casas populares na longínqua zona norte e no extremo sul da cidade, deixando o meio do caminho aberto à especulação imobiliária.

Era o tempo em que o dinheiro fácil do Sistema Financeiro da Habitação fazia a festa das construtoras e levava para longe do centro milhares de famílias que moravam de aluguel, entregando-os à própria sorte e ao sofrimento da falta de infra-estrutura.

Esse modelo, iniciado com a Cidade da Esperança, nos anos 60, teve um fim melancólico. Maculado por escândalos, desvios e desmandos, que culminaram com o fim do BNH, foi-se junto com ele, o sonho da casa própria de milhões de brasileiros, a ponto de vermos repetido hoje, o mesmo drama vivido pelos soldados que combateram Antônio Conselheiro na Guerra de Canudos.

De volta do Rio de Janeiro, vitoriosos, em vez de condecorações, foram dispensados pelo governo e passaram a ocupar o Morro da Previdência, no Morro da Favela, sertão da Bahia, criando a primeira favela de que se tem notícia na história do Rio de Janeiro.

Canudos também emprestou o nome desse novo jeito brasileiro de morar. Favela era o nome dado pelo sertanejo à euforbiácea Cnidosculus Phyllacanthus, planta muito comum nas terras de Conselheiro.

Passado um século, a favela que um dia deu nome ao morro que serviu de calvário ao monarquista Conselheiro, chega, enfim, ao palácio símbolo da República do Brasil. E pelas milhares de favelas do Brasil, os herdeiros daqueles brasileiros que se enfrentaram em Canudos continuam resistindo ao abandono e à indiferença do governo.

Ciro Pedroza, jornalista.
Fonte: http://www.tribunadonorte.com.br/, 23.12.2008, 15h05min.


Um comentário:

Anônimo disse...

A matadeira vem chegando...