segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

O Advogado do Diabo.

O apelido de “advogado do diabo” dado ao advogado francês Jacques Vergés não foi em vão. Entre seus clientes estão alguns dos piores criminosos da história recente como o terrorista Carlos, o Chacal, e o nazista Klaus Barbie.

Nos próximos dias a lista será enriquecida com outro nome de peso. Trata-se de Khieu Samphan, ex-chefe de Estado do Camboja acusado de genocídio.

Há duas semanas a revista “Der Spiegel” publicou uma curiosa entrevista com o advogado francês. Alguns trechos:

Der Spiegel - O senhor é atraído pelo diabo?
Jacques Vergès - A natureza é selvagem, imprevisível e repulsiva. O que distingue os seres humanos dos animais é a habilidade de falar em nome do diabo. O crime é um símbolo de nossa liberdade.

Der Spiegel - É uma visão cínica.
Vergès - Realista.

Der Spiegel - O senhor defendeu alguns dos piores criminosos em massa da história recente. Como é ter clientes desse quilate?
Vergès - Creio que todo mundo, não importa o que tenha feito, tem o direito a julgamento honesto. A opinião pública tem pressa em colar nas pessoas o rótulo de “monstro”. Mas os monstros não existem, não existe o mal absoluto. Meus clientes são seres humanos, pessoas com dois olhos, duas mãos, um gênero e emoções. É o que os faz sinistros. O chocante a respeito de Hitler, o “monstro”, é que ele tratava muito bem seu cachorro e beijava a mão das secretárias. O interessante, nas pessoas que defendo, é descobrir o que as levou a fazer coisas terríveis. Um bom julgamento é como uma peça de Shakespeare, uma obra de arte.

Der Spiegel - Há algumas pessoa que o senhor se recusaria a defender?
Vergès - Um de meus princípios é não ter princípios. Por isso não viraria as costas para ninguém.

Der Spiegel - Digamos, Adolfo Hitler…
Vergès - Defenderia Hitler. Aceitaria Osaba bin Laden como cliente, até o presidente Bush, se ele fosse acusado de alguma coisa.

Der Spiegel - Não é possível mencionar Hitler, Bin Laden e Bush numa mesma frase, sem respirar…
Vergès - Todo crime é único, assim como todo criminoso. Isso torna as comparações impossíveis.

15 comentários:

Anônimo disse...

Gostei do texto, mas me preocupo com tamanha dimensão e responsabilidade que é advogar. Considerar que esse advogado enfrenta um júri defendendo os piores criminosos em massa da história é complicado, embora seja instigante saber quais argumentos ele poderá usar no julgamento e de que forma trabalhará para convencer o júri. Esse será um desafio que enfrentarei no curso de Direito.
_____________________-
Parabéns pelo blog.

Adailton Figueiredo disse...

Lucas,

Quando nós fazemos uma postagem dessas é justamente para provocar reflexões como a sua.

Obrigado por acessar nosso blog. Continuamos trabalhando para pessoas como voce.

Elaine disse...

Deveria haver exceções para o principio que afirma que todos têm direito a uma defesa em certos casos, pois defender pessoas que cometeram atrocidades é ser conivente com elas. O Direito é a ciência da liberdade, mas da liberdade dos inocentes e não dos culpados. Principalmente se esses culpados são autores de crimes hediondos. É preciso ser tão frio quanto os próprios criminosos para conseguir defendê-los.

Adailton Figueiredo disse...

Prezada Elaine,

Em tese concordo contigo. Todavia, sempre digo em sala de aula que DIREITO E JUSTIÇA são diferentes.

Anônimo disse...

aahhh professor, com todo o respeito q tenho pelo senhor, tenho q admitir agora q sempre discordei em parte dessa sua idéia! pois no meu entendimento a justiça e o Direito podem até ser diferentes, mas estão intimamente relacionados, já que a justiça é um ideal, um valor, e o Direito é o instrumento que devemos utilizar para alcançar tal valor.

Anônimo disse...

É verdade que não devemos ser coniventes com tamanha atrocidade, mas quando advogados são escolhidos para defender um réu, o intuito dele é assegurar a autonomia da liberdade do acusado perante a justiça. Não concordo com o "advogado do diabo" em diversas falas dele, mas uma coisa eu concordo com ele: "creio que todo mundo, não importa o que tenha feito, tem o direito a julgamento honesto". Considero a profissão de advogado como a de um mediador perante a justiça terrena (justa ou não) e não como o dono da verdade do seu cliente. Não que não se deve concordar com o que o acusado fez, mas defender a sua liberdade e o direito de pagar pelo que cometeu é aceitável. Não sou tão religioso mas "atire a primeira pedra aquele que nunca errou", independente da intensidade seja ele um assassinato ou um genocídio, por exemplo. Não me entendam mal, não defendo certas atrocidades, mas tenta-se buscar um meio para relativizar os problemas de ambos. Afinal, na sociedade em que vivemos o julgamento deve ser feito com muita cautela, pois somos bombardeados por informações que nos induz a ideologias propagadas em massa sem entendermos todo um contexto histórico como no Oriente Médio. Tenho cuidado com assuntos desse tipo, porque converso com minha mãe e ela, uma vez, me veio com a história da dialética: argumentar assuntos a partir de contrapontos, dando várias dimensões para a discussão(acho que vê isso em Direito também) importante. Ela precisa para o trabalho de mestrado para não ser induzida à sua própria ideologia, mas isso não vem ao caso.
Eh, acho que já falei demais.

Novamente, agradeço a oportunidade de comentar no blog umas vez que temos uma maior aproximação com os professores que o produzem. Vlw!

Anônimo disse...

meu lado racional concorda em muitos pontos com o que lucas falou! no curso de direito tenho ouvido bastante sobre isso dos meus professores (principalmente do de penal), e isso é bastante discutido em sala, e geralmente a gente não consegue chegar a um concenso! mas apesar de ter consciência de que em breve deixarei de apenas ler sobre isso e estarei diante de casos concretos, lidando com isso diariamente, e talvés tendo até mesmo que defender alguém que no meu íntimo eu gostaria de ver preso, não posso deixar de muitas vezes "pensar com meu coração" e de expressar minha ideologia e meu desejo de ver todos esses "seres humanos", do tipo de Bush, Osama e tantos outros que infelizmente existem tão somente para contribuir com a desgraça da humanidade, pagarem bem caro por tudo que fazem a tantos inocentes! e ainda continuo a achar que pessoas assim (que cometem atrocidades como se não fossem humanos e sim feras) não deveriam ser defendidos, apenas acusados.

mas é claro que isso não é possível! é apenas uma opinião repleta de emoção.

Anônimo disse...

Isso mesmo. É o que eu acho do curso de Direito. Tô muito curioso e ansioso pra cursar logo e saber, participar e crescer nessas discussões. Deve ser muito bom. Mas que eu acho muito complicado defender pessoas que cometeram atrocidades isso eu acho. Não tem dialética nenhuma que mude minha (nossa) opinião quanto a isso. Até porque a minha vontade às vezes é jogar um avião lá na Casa Branca e matar logo Bush. Mas...
No mais, valeu pela discussão gostei. Muito legal Elaine. Ah! E eu fiquei pensando agora como poderá ser as discussões numa turma de Direito. Não sair num consenso deve ter sido o mais instigante. Vc sair da aula com aquilo na cabeça pensando o que poderia fazer. Muito bom! Bjo Elaine.

Anônimo disse...

Acho que a discussão não é se determinadas pessoas devem ou não ter direito de defesa. Mas, sim, até onde a justiça como instituição se aproxima do ideal de justiça. Como diria meu avô: "Cada cabeça é um mundo". Logo, a justiça como conceito nunca será concretizada, pois, sendo algo inerente a cada um, sempre existirá alguém que discorde de determinada sentença. O que chamamos hoje de justiça não é nada mais que algo instituído para manter determinada "ordem social", que interessa a certos grupos, mas que nunca refletirá o interesse geral. É tanto que, ao longo da história da humanidade e em cada civilização, a lei foi mudando na medida em que mudaram os grupos dominantes. Isto posto, concluo eu que o direito ou não à defesa torna-se uma questão pouco importante, pois a defesa deverá transcorrer de modo a encaixar-se no sistema de leis vigente. Como o próprio advogado disse, "aceitaria até o presidente Bush, se ele fosse acusado de alguma coisa". Ora, a ordem social instituída não permite que ele seja acusado. Então o direito à defesa não é nada mais do que uma forma de buscar garantir que a lei existente seja cumprida o mais próximo de sua plenitude. Dessa forma, é legítimo o direito do acusado de buscar vantagens que essa lei pode lhe conceder. Então, se um desses vilões não for condenado justamente segundo a opinião de alguém, a culpa não é se ele teve ou não o direito de defender-se, mas, sim, da lei, que permitiu a sua "impunidade".

Ainda sou muito leigo nesses assuntos filosóficos e quase não tenho "bagagem" teórica, mas acho que consegui expressar o meu entendimento atual...

Anônimo disse...

Sobre defender alguém ou não, é uma questão de princípios e, como o cara disse, ele não tem nenhum.
Eu, pessoalmente, nunca usaria aspectos da lei que eu não concordasse para tornar mais branda a pena de algum acusado.
Se eu fosse advogado na área penal muito provavelmente estaria fadado ao fracasso... hehehe

João Carlos Rocha disse...

Estou gostando da discussão! Então, vou contribuir também.
Acho que todos, como disse Lucas, tem direito a um julgamento honesto e não-tendencioso. Creio que o advogado tem o direito de não aceitar trabalhar num caso em que ele considera seu cliente mais do que culpado, um "monstro", como disse alguém nos comentários.
Se lembrem que todas as pessoas são inocentes antes que se prove o contrário, uma vez que o princípio da presunção de inocência é algo comum no Direito ocidental (embora saibamos que não é bem assim que acontece, não é?).
Concordo com Adailton também: há grande diferença entre Direito e Justiça, embora o Direito seja um meio para se chegar à Justiça. Não devemos esquecer que o judiciário é formado por humanos, não por santos. Todos têm interesses.
Para finalizar, uma visão histórico-literária: antes de considerarmos alguém como "monstro", deveríamos ler "Crime e Castigo", de Dostoiévsky. Nele, o autor russo mostra que a diferença de um criminoso para um grande herói é tênue: afinal, o que diferencia Napoleão Bonaparte ou Alexandre Magno (e suas guerras de conquista, repletas de saques, estupros, mortes) de Saddam Hussein ou Slobodan Milosevic? Uns estão do lado dos vencedores (os heróis). Outros, dos derrotados (os vilões).
E vamos discutir!

Anônimo disse...

muito boa a discussão! :)

e Lucas, realmente são muito boas todas essas conversas polêmicas lá na ufrn! tenho ctz q vc vai adorar! ;D
não posso negar que tenho dificuldades para enxergar certas coisas com racionalidade, pois sempre fui mais emoção do que razão, por isso faço minhas as palavras de alcoforado: "Se eu fosse advogado na área penal muito provavelmente estaria fadado ao fracasso."

boa sorte Lucas!
beeiijo para todos.

Anônimo disse...

Alcoforado vai ser um desafio cursar Direito. É uma discussão travada comigo e com várias pessoas que já conversei. Quando João Carlos falou que o advogado tem o direito de escolher tbm seus clientes lembrei de meu tio. Ele faz isso, quando vê que não vale a pena, não defende o acusado. Eu quase não presto vestibular pra Direito, este ano, por essas minhas dúvidas. Mas foram as razões dessas minhas dúvidas que me fez ser motivado para cursar. Engraçado isso. Mas fiz questão de assistir uma aula de Direito (Civil I), antes, para ter pelo menos uma noção das aulas. Gostei muito. Ah! Obg Elaine. Gostei da diferença tênue entre herói e criminoso que João Carlos faz referência no comentário. Essa relação mostra em qual contexto deve ser inserido um julgamento. Quais foram as contribuições e perdas que essas pessoas promoveram ao longo das suas vida e ao longo da história? Somos meros seres dotados de raciocínio e não somos predestinados, somos responsáveis por decisões tomadas ao longo dessa vida. Vivemos numa dinâmica cíclica sendo influenciados e influenciando, não temos a verdade, mas idealizamos uma que nos norteia ao caminho que achamos ser a verdade.

Anônimo disse...

Pois é, cara... Eu tô nessa também! Acabei escolhendo prestar pra Gestão de Políticas Públicas na UFRN, mas ainda assim farei Direito na UERN (ao mesmo tempo, em turnos diferentes). É um curso que me intriga muito e que eu acho que deveria ser explorado (algumas noções) ainda no Ensino Médio, pois a lei está a toda hora presente no nosso dia-a-dia, nas relações sociais, etc. E conhece-la é condição fundamental para a cidadania plena. Outrossim, é analisando as leis que entendemos muita coisa de nossa sociedade (e temos uma base para buscar mudanças). Outro dia, escutei em um determinado jornal que o fato da nossa legislação penal ser tão branda muito se deve ao fato de a constituição de 88 ter sido redigida em um momento que ainda se temiam muito as prisões por crimes políticos. Debater e discutir constatações como essa em um curso de Direito deve ser “mara”. Espero que eu goste. Quanto a seguir carreira no judiciário, existe a possibilidade, mas meu interesse aí é bem restrito e está mais pra Ministério Público que pra advocacia comum. Tenho muita vontade de trabalhar em algo “nobre”, que me permita deixar a minha contribuição positiva para um pais que ainda tem tanta coisa errada. Acho que não aguentaria trabalhar em uma profissão “banal” e me sentir impotente diante disso tudo.

Anônimo disse...

Também gostei do que o Prof. João Carlos expôs. E achei interessante o que você (Lucas) comentou no final. Acho que hoje em dia é muito difícil encontrar alguém que seja capaz de tirar suas próprias conclusões a partir de uma análise racional e “global” das coisas. Geralmente as pessoas são influenciadas por pensamentos alheios e os expõem como se fosse uma conclusão tomada por elas próprias. A chave disso tudo é criticar. Não só o que vemos e ouvimos, mas principalmente o que nós mesmos expressamos. Outra coisa que prego muito é nunca ter convicção de nada. Tem gente que faz questão de ter opinião formada pra tudo. Eu, pelo menos, busco sempre analisar algo a fundo antes de me expressar e sempre admitindo não ser ela uma opinião justa e perfeita, mas algo “conjuntural”. Nossa forma de pensar sempre evolui com o tempo e às vezes quando demonstramos mudança pagamos o preço pelas convicções expressadas avidamente no passado. Além do mais, como eu disse, não existe uma verdade suprema. A própria Física nos ensina que tudo é relativo e que para cada referencial existe uma leitura diferente das coisas. Enfim, tô fugindo muito do tema e se eu continuar nem sei em que assunto isso vai parar. Obrigado a todos vocês que participaram desse “debate”.