domingo, 30 de novembro de 2008

A revolta da natureza.

O homem , para lembrar uma velha expressão de Lévi-Strauss, é o maior vilão da natureza. Ele a modifica, degrada, abusa e chega a criar a perspectiva de destruir a própria vida com as armas nucleares e o aquecimento global, em nome do progresso que parece caminhar para o suicídio.

Mas, às vezes, a natureza reage, sem aviso nem previsão, numa revolta que atinge ela própria, quebrando a harmonia e as leis que ela parecia ter construído. São terremotos, maremotos, furacões, tsunamis, enchentes, vulcões, desertificação e vários outros maus humores que se manifestam em grande e em pequena escala. A nossa sensação é que a Terra ainda não se acomodou e, como um ser vivo -na formulação de Lovelock-, se retorce, serpente que não renuncia à liberdade e não se deixa amarrar.

Agora mesmo nós estamos vivendo em Santa Catarina uma tragédia dessas, que deixa nossos corações partidos não somente com as conseqüências materiais, mas principalmente com os dramas humanos. São famílias inteiras que desaparecem nas águas, que são sepultadas pelos deslizamentos.

Os agricultores, gente que passou seus anos de vida misturados com o trabalho da terra, o amor às plantas, como um raio, vêem essa própria terra e árvores enfurecidas se voltarem contra eles, sepultá-los. O relato das duas crianças de Blumenau, que nem o nome os bombeiros conseguiram guardar, de dois e oito anos: perdem pai, mãe e todos os irmãos e não entendem nem sabem o que aconteceu com os outros. E nem chorar podem, porque os olhos, ainda ignorantes de tudo, ainda brilham na espera dos que jamais chegarão. São os relatos das casas, construídas pelo trabalho duro dos anos, tragadas pelas avalanches e pelos deslizamentos. Todos choram, os olhos são feitos para ver e para chorar, como dizia o Padre Vieira, porque os cegos choram e não vêem, e os que vêem choram para ver.

A solidariedade, a misericórdia -essa virtude que foi ensinada como a visão de um caminho para o céu-, tocam a todos, mas são incapazes de sarar as feridas da alma que acompanham essas tragédias. Os habitantes do vale do Itajaí abandonaram as terras baixas por causa das enchentes, subiram os morros para maior segurança, e as águas que destruíam em baixo, agora, vêm de cima e desmancham os morros, levando-os de volta ao vale de onde saíram, já sem vida.

Antigamente, nessas horas, os padres advertiam o povo, mostrando nessas desgraças o castigo de Deus. Hoje nós sabemos que muitas vezes são respostas à destruição da natureza, que reage e revolta-se com a violência que lhe infligiram.
José Sarney - Escritor e senador.

4 comentários:

Anônimo disse...

É com essas catástrofes que o ser humano sente o tamanho de sua fragilidade perante o universo...

Isaac Newton já havia concluído em 1687 que "para cada ação, há sempre uma reação, oposta e de mesma intensidade". Mas uma aspecto de sua lei que poucas pessoas se dão conta é que essa intensidade é maior sentida pelos corpos de menor representatividade (quanto menor a massa, maior será a aceleração).

O que se conclui com a analogia é que o homem, agindo contra a natureza, poderá ferí-la, mas o maior prejudicado será ele próprio.

Tolo é quem pensa que o homem pode destruir o mundo. No máximo, ele destruirá a si próprio.

Adailton Figueiredo disse...

Grande amigo Alcoforado,

voê como sempre com comentários apropriados e bastante equilibrados. Parabéns.

Anônimo disse...

Muito grato pela admiração, meu irmão! Um dia ainda chegarei no seu nível...

PS: Depois que entrou de férias, não para de nos brindar com belas postagens, hein... Isso é que é ter alma de educador!

Adailton Figueiredo disse...

Alcoforado,

Mais uma vez obrigado pela palavras.