A existência de várias revistas de circulação nacional voltadas para a história é a prova de uma demanda até então reprimida. Nas últimas décadas, sofremos os efeitos de uma ênfase exagerada numa historiografia baseada na "grande síntese" e na filosofia da história. Na época da ditadura, passou-se da história fincada no culto aos grandes heróis ao seu extremo oposto. Essa passagem, entretanto, não representou, de fato, um enriquecimento intelectual. No plano do ensino, o resultado foi uma linha de trabalho em que a interpretação independia do fato.
Não mais se decorava datas, porém sabia-se na ponta da língua o esquema analítico do professor quanto aos conteúdos. História virou sinônimo de ideologia e a posição política do professor uma verdadeira ditadura sobre o aluno. Com isso, houve um rolo compressor sobre o que existia anteriormente. Os nomes e as personalidades dos antes protagonistas da história não interessavam mais e a cultura material produzida no passado ficou, quando muito, em segundo plano. Além das datas e dos nomes, foi se perdendo o sentido simbólico dos acontecimentos e das localidades históricas.
No afã de desmistificar os heróis, a historiografia dedicava solene desprezo a eventos como o Grito do Ipiranga, a Fundação de São Paulo, o suicídio de Getúlio Vargas. Que representatividade poderia ter, então, o Monumento do Ipiranga, o Pátio do Colégio ou o Palácio do Catete?
Paralelamente a isso, verificou-se um verdadeiro colapso da história regional. A "grande síntese" privilegiava o todo, não deixando espaço para a memória local. Exemplo triste é o descarte das obras dos memorialistas, consideradas desprezíveis por intelectuais e pelas bibliotecas públicas de muitas cidades do interior. Títulos como A cidade Naquele Tempo, Tradições e Reminiscências ou Evocações do Passado foram considerados banalidades de velhos reacionários e os livros vendidos como papel velho. Esse foi o caso de obras preciosas como a de Didi Andrade, cronista da cidade histórica de São Luís do Paraitinga, em São Paulo.
Como se não bastasse a situação do país e seus crônicos problemas sociais, o brasileiro começou a considerar a história de sua pátria como a única no mundo a não ter grandes nomes dignos de atenção. Todos não passavam de figuras ridículas e interesseiras. Tudo isso contribuiu para transformar a filosofia da história em opositora da história factual - confundida, muitas vezes, com história oficialista - e do aparato simbólico construído no passado.
Em resultado, quebrou-se, nas novas gerações, o vínculo empático com a história. Sem intimidade nem compreensão desse aparato simbólico legado pelo passado - no qual se inclui os antigos personagens, suas idéias, sentimentos e, principalmente, a cultura material de seu tempo - a história ficou desumanizada e com gosto de papel. Visitar um museu de história, tornou-se algo entediante, obrigação imposta por poucos e, geralmente, mal preparados professores. Parece que a retomada do gosto pela história deve passar, necessariamente, pela revalorização do material simbólico, uma vez que este não é fruto do acaso, pois teve aceitação coletiva e como tal, faz parte do patrimônio histórico e cultural da nação.
Mário Jorge Pires é Historiador e Doutor em Ciências da Comunicação. Professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, escreveu obras como Lazer e Turismo Cultural e Raízes do Turismo no Brasil (Ed. Manole 2001).
Nenhum comentário:
Postar um comentário