Caros alunos: aí está, conforme havia prometido, uma reportagem introdutória sobre os acontecimentos do ano de 1968 (publicada em 26 de maio de 2008 na revista Época). Foi um período muito importante na história contemporânea, tendo os jovens como principais agentes das transformações. Depois postarei mais textos sobre esse período.
Pense em 1789 e você logo imaginará o início da revolução francesa. No século XX, 1945 entrou para a História como o marco do fim da Segunda Guerra Mundial e 1989 carrega a lembrança da queda do Muro de Berlim. Todos esses anos têm eventos tão únicos e extraordinários associados a eles que é fácil saber de imediato o que representam. No entanto, nenhum deles possui a aura de magia que acompanha 1968. Quarenta anos depois, 68 continua enigmático, estranho e ambíguo como um adolescente em crise existencial. Ele foi o ano da livre experimentação de drogas. Das garotas de minissaia. Do sexo sem culpa. Da pílula anticoncepcional. Do psicodelismo. Do movimento feminista. Da defesa dos direitos dos homossexuais. Do assassinato de Martin Luther King. Dos protestos contra a Guerra do Vietnã. Da revolta dos estudantes em Paris. Da Primavera de Praga. Da radicalização da luta estudantil e do recrudescimento da ditadura no Brasil. Da tropicália e do cinema marginal brasileiro. Foi, em suma, o ano do “êxtase da História”, para citar uma frase do sociólogo francês Edgar Morin, um dos pensadores mais importantes do século XX. Foi um ano que, por seus excessos, marcou a humanidade. As utopias criadas em 68 podem não ter se realizado. Mas mudaram para sempre a forma como encaramos a vida.
O cantor americano Bob Dylan disse recentemente que 1968 foi o último ano em que todas as utopias eram permitidas e que hoje em dia “ninguém mais quer sonhar”. Numa simplificação, pode-se afirmar que o período simboliza a utopia de milhões de jovens rebeldes e cabeludos de acabar com a moral repressora da velha sociedade. Por si só, isso já seria grande o suficiente. Mas foi só isso? Para o escritor e jornalista Zuenir Ventura, autor de 1968 – O Ano Que Não Terminou, serão necessários muitos anos para que se entenda seu legado. “Ainda ninguém explicou por que tudo aconteceu naquele ano e de que forma o mundo absorveu os impulsos revolucionários daquela geração”, diz Zuenir.
Nos próximos meses, estão previstos vários eventos em comemoração aos 40 anos de 1968. A Universidade Federal do Rio de Janeiro promove em abril um ciclo de debates com especialistas brasileiros e estrangeiros. Na França, estudantes universitários planejam uma caminhada pacífica pelas ruas de Paris para lembrar as manifestações de maio, que colocaram frente a frente milhares de jovens e a polícia do presidente Charles de Gaulle. Nos Estados Unidos, vários livros estão sendo lançados desde o ano passado. Um deles, intitulado Boom, do jornalista americano Tom Brokaw, recebeu uma enxurrada de críticas. O motivo? Não ter chegado a um veredicto sobre o real significado do período...
As discussões, tanto no Brasil quanto no exterior, são quase tão apaixonantes quanto a energia revolucionária que desabrochou há quatro décadas. Uma forte corrente acredita que o mundo seria hoje muito pior se 68 não tivesse acontecido. Nesse time jogam as pessoas que mantêm as idéias de esquerda frescas na memória. “Se a juventude, e não a repressão, tivesse vencido, o Brasil teria avançado mais rapidamente nas reformas democráticas”, diz José Dirceu de Oliveira, um dos protagonistas do 68 brasileiro. Para ele, os principais protestos civis da história recente do país só ocorreram porque o caminho foi traçado pelos rebeldes de sua geração. Seriam exemplos dessa herança contestatória a campanha das Diretas Já e os caras-pintadas que foram às ruas pedir o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello. Em seus tempos de líder estudantil, José Dirceu pregava a liberdade e a justiça social. Mas ele foi alvejado pelos anos. Ex-homem forte do PT, ministro e deputado federal, acabou cassado pelo Congresso em 2005, no escândalo do mensalão.
Há uma vertente que relativiza a herança deixada pela geração do desbunde. Seus adeptos acreditam que as lembranças afetivas turvam a análise independente. O deputado Fernando Gabeira, hoje uma das vozes mais lúcidas de Brasília, enxerga com certo incômodo a veneração do período. Ex-guerrilheiro de esquerda durante a ditadura militar, Gabeira arrepende-se de muita coisa da época. “A busca pela implantação do socialismo, a luta armada e o seqüestro do embaixador americano foram grandes equívocos”, diz. “Eu gostaria de sepultar esse período” . Em sua visão, a luta armada não só fortaleceu a ditadura militar, como deu de bandeja um pretexto para que o presidente Arthur da Costa e Silva promulgasse o Ato Institucional no 5 no dia 13 de dezembro de 1968, recrudescendo os Anos de Chumbo no Brasil. Mas não foi só de luta armada que se construiu a oposição ao regime militar. Em 1968, o operário Luiz Inácio Lula da Silva se filiou ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Com o passar dos anos, sua atuação de sindicalista o tornaria uma figura conhecida nacionalmente.
O 68 brasileiro foi diferente por uma razão simples. Aqui ele tinha um viés mais político que na França e nos Estados Unidos, países que também viviam em erupção. No Brasil, os contestadores do regime sofreram torturas e exílio. “Nos Estados Unidos, havia o sentimento generalizado de que era preciso mudar a estrutura da sociedade, mas não necessariamente o governo”, diz o historiador americano James Green, especializado nos movimentos civis dos anos 60. Os manifestantes gritavam nas ruas de Washington, Nova York e São Francisco pelos direitos das mulheres, dos negros e dos homossexuais. Exigiam o retorno dos soldados americanos da Guerra do Vietnã. Pregavam o respeito à natureza. Mas não queriam tomar o poder. “Na França, os movimentos de revolta começaram com a exigência do dormitório misto nas universidades”, diz Zuenir. “No Brasil, o 68 começou com a morte do estudante Édson Luís, assassinado pela Polícia Militar do Rio.” A Passeata dos 100 Mil, no Rio, era uma afronta à ditadura militar. Na França, o sentimento era de revolta contra o conservadorismo de De Gaulle, mas não havia uma atmosfera de repressão como no Brasil.
4 comentários:
Vocês vão falar das efemérides de 2008 aqui no blog? Maravilha!
Eu acabaria pedindo isso a vocês lá no CIS! Matérias têm sido publicadas mas nada de muito rigor histórico.
Não posso ler esse post agora, mas o link está salvo para mais tarde.
Temos o maio de 68, a chegada da família real, o jubileu da bossa nova, a imigração japonesa... E um amigo me falou algo sobre a ditadura militar e a criação de Israel!
João Carlos, você acha que todas essas datas são relevantes? Há mais alguma(s)? Quais poderiam ser cobradas em questões do vestibular? Como?
Até!
"Sejam Realistas, exijam o impossível" - Pixação nas parades de Paris.
Natália, são importantes, sobretudo 1808 e 1968. Vou postar mais alguns textos sobre os acontecimentos que "aniversariam" em 2008. A gente conversa sobre as possibilidades lá no Cis!
Pude ler o post agora, vou pra parte II.
Obrigada João!
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