quarta-feira, 13 de agosto de 2008

A presença francesa no Rio Grande (século XVI)

Na historiografia brasileira, a presença francesa durante o período colonial é lembrada a partir de duas grandes dominações. A primeira ocorreu no Rio de Janeiro entre 1555 e 1567, liderada por Nicolas Durand de Villegagnon, que chegou a formar uma comunidade de colonos. Após a destruição dessa tentativa de permanência em solo brasílico, os franceses retornariam em 1612, desta feita ao Maranhão, onde fundaram a cidade de São Luís e iniciaram o povoamento, até serem derrotados por tropas portuguesas em 1615.

No litoral do que viria a ser o Rio Grande do Norte, a presença francesa é anterior a qualquer tentativa efetiva de colonização. A maior parte dos historiadores concorda que, por volta do ano de 1516 – cerca de quinze anos depois do primeiro contato oficial dos portugueses com esta terra – navegadores daquele país europeu já negociavam com os nativos potiguares.

No contexto da expansão marítima, os franceses, retardatários na corrida, buscavam regiões sem colonização efetiva para poder explorar. O tratado de Tordesilhas, entre Portugal e Espanha, mesmo tendo a chancela do Papa Alexandre VI, não era respeitado pela monarquia francesa, que financiava corsários para estabelecer contatos comerciais com os nativos da América, bem como pilhar navios espanhóis e portugueses que levassem riquezas aos seus países.

Para a capitania do Rio Grande vieram corsários, flibusteiros e comerciantes que praticavam o escambo com os índios potiguares, principalmente na região do rio Potengi. Eram negociados vários produtos, tais como Pau-Brasil e outras madeiras, tabaco, animais e aves exóticas, a exemplo do papagaio. Sua relação amistosa com os nativos está muito ligada à falta de colonização efetiva do território, sem fundar cidade ou impor costumes europeus aos indígenas.

Ao observarmos a toponímia de Natal, percebemos que um dos primeiros acidentes geográficos batizados é o topônimo Rifoles, onde está instalada a Base Naval. Tal nome é uma referência direta ao corsário francês Jacques Riffault, que marcou sua presença na região do rio Potengi, negociando com os índios.

Esses contatos entre europeus e potiguares permitiram as primeiras miscigenações. Sérgio Buarque de Holanda, num de seus artigos na História da Geral da Civilização Brasileira, diz que “ali, como em tantos outros lugares da América, aventureiros da Normandia e da Bretanha andavam em íntima promiscuidade com os grupos indígenas estabelecidos na marinha ou mesmo no sertão”. Assim, a presença francesa, no início da colonização, chegava a ser tão forte que, auxiliados pelos índios, eles conseguiram rechaçar as tentativas de colonização lideradas pelos filhos de João de Barros durante o século XVI, chegando os herdeiros do donatário a escreverem um requerimento para o rei de Portugal, no qual se dizia que

“É necessário mandar povoar esta capitania antes que os franceses a povoem; os quais todos os anos vão a ela carregar [pau] brasil por ser o melhor de toda a costa. E fazem já casas de pedra em que estão em terra fazendo comércio com o gentio. E os anos passados tiveram nesta capitania dezessete naus de França a carga e são tantos os franceses que vêm ao resgate que até as raízes do pau-brasil levam porque tingem mais as raízes do pau que nascem nesta capitania. E agora tomaram os franceses aos potiguares três mil quintais de brasil que os portugueses tinham na praia feitos a sua custa para carregar. E antes que os franceses façam uma fortaleza que obrigue depois a muito, parece que será bom povoar-se por nós e com isso feito lhe não levarão este pau à França e ficará rendendo muito a Vossa Alteza”.

O documento acima faz menção a “casas de pedra” que os franceses teriam construído para efetuar comércio com os índios. O historiador Olavo Medeiros Filho acredita ser referência a uma suposta feitoria que seria utilizada pelos franceses, construída a três quilômetros da barra do rio Pirangi.

Essa impressionante presença testemunhada por Jerônimo e João de Barros Filho, explica a utilização da capitania como centro irradiador dos ataques franceses a outras regiões da colônia, como ocorrido em Cabedelo, em 1597, quando treze naus lutaram pela sua conquista. Além disso, tal presença permitiu certo conhecimento do território, com a elaboração de um mapa no qual se identifica o Rio Grande (1579), feito em Dieppe (França) pelo cartógrafo normando Jacques de Vaudeclaye. Nele podemos perceber a descrição dos acidentes geográficos, das tribos e dos prováveis produtos econômicos que poderiam ser encontrados. Esses aspectos mostram que os franceses tinham um domínio dessa faixa do território colonial, com conhecimentos maiores do que os portugueses.

Temerosos em perder o território para outro povo europeu, os lusitanos organizaram expedições para expulsar os franceses das regiões que, de acordo com o tratado de Tordesilhas, pertenciam a seu país. Suas investidas na capitania do Rio Grande, entretanto, só ocorreram durante o período da União Ibérica, quando, sem herdeiro à sucessão do trono, Portugal foi subjugado por Filipe II, da Espanha.

Assim, no final do século XVI, os colonos portugueses conseguiram sucesso na empreitada de colonizar e expulsar os franceses da região que hoje chamamos nordeste. No Rio Grande, há informações de que, no dia 25 de dezembro de 1597, os portugueses – provenientes, principalmente, de Pernambuco – iniciaram um ataque contra os franceses, situados no lado norte do rio Potengi. Poucos dias depois, eles iniciaram a construção do forte dos Santos Reis, que se tornaria o centro das suas ações.

Os historiadores chamam atenção à atuação do Frei Bernadino das Neves, conhecedor do idioma indígena, que conseguiu aliar os nativos aos portugueses, consolidando uma força militar suficiente para a capitulação francesa, que ocorreria em 1599. Após a “retomada” do Rio Grande, a capitania tornar-se-ia o local de onde partiriam expedições com o objetivo de derrotar a presença francesa – inclusive no Maranhão.

(por João Carlos Rocha)

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