As sociedades humanas, desde o advento da propriedade privada, criaram em seu seio uma profunda desigualdade facilmente perceptível. Tal desnível político-jurídico, gerado pelas diferenças econômicas entre os agentes sociais, jamais foi disfarçado na antiguidade oriental ou ocidental. No Egito ou na Mesopotâmia, na antiga Grécia ou na Roma dos césares e augustos, o poder político estava concentrado nas mãos de uma minoria social que assumia para si as prerrogativas do poder e as benesses que somente os palacianos agraciados dos deuses usufruíam.
A idéia corrente de um poder legitimado pelos deuses era incutida em corações amedrontados e mentes intelectualmente modestas. Sacerdotes profissionais, serviçais do poder e beneficiários do Estado difundiam a ideologia que mantinha a distância entre os servidos e os servidores. No Egito, por exemplo, o faraó era um deus vivo; na Mesopotâmia, o patesi era a representação do divino; entre os hebreus, o juiz se auto-intitulava escolhido por Javé. Não obstante, na magnífica e imponente Roma o imperador era uma divindade merecedora de respeito e obediência desmedida e inquestionável por parte de uma população miserável e iletrada.
A legislação aristocrática e autoritária servia de pano de fundo para o circo de horrores políticos: definia cidadão, via de regra, como aqueles grandes proprietários de terras, de objetos e de gente coisificada. O humano desprovido de riqueza ou o cavalo servindo de montaria a um nobre não se diferenciavam! O escravo era a pura expressão do anti-cidadão na civilização que apregoava a cidadania. A inclusão era para alguns e nela não cabia o dejeto social. A lei que deveria ser seguida era aquela que fora elaborada em benefício de poucos e, talvez, por isso mesmo, não poderia ser questionada, afinal, dura lex, sede lex. A legislação era a mantenedora da ordem. Todavia, cabem aqui algumas perguntas: que ordem? A ordem da anticidadania? Da miséria? Da submissão? Sim, provavelmente não haveremos de encontrar entre artigos e alíneas complexas, tortuosas, labirínticas, com seus alçapões e arpões para peixes de segunda categoria a busca pela manutenção de outra ordem.
Levando em conta a possibilidade do descumprimento da lei, a elite dominante, precavida e com percepção de longo alcance, cria seu braço armado: o exército ou equivalente, comandado pela casta abastarda e composta por miseráveis para reprimir miseráveis em nome da segurança nacional. Fica evidente a compreensão do perigo que seria uma massa faminta, revoltada e desobediente, não temente a Deus e a alguns homens. Ao lado dos exércitos, bem treinados e armados, onde jovens que nunca manusearam canetas eram hábeis com fuzis, erguem-se os templos das torturas e monumentos da repressão: as cadeias.
Cada vez mais sofisticadas na arte da reclusão, as prisões passam a ser símbolos do poder tanto quanto os palácios na medida em que abrigam os inimigos do rei, ao passo que, nos salões palatinos, guardavam-se os amigos do rei. Uma vez encarcerado, o individuo não seria mais influência maléfica à sociedade. Perguntar-se-ia: qual sociedade?
O tempo passou, a história foi sendo construída com seus avanços e retrocessos. Todavia, três coisas não mudaram, ainda: manda quem pode, obedece quem tem juízo e cadeia não é pra todo mundo.
A idéia corrente de um poder legitimado pelos deuses era incutida em corações amedrontados e mentes intelectualmente modestas. Sacerdotes profissionais, serviçais do poder e beneficiários do Estado difundiam a ideologia que mantinha a distância entre os servidos e os servidores. No Egito, por exemplo, o faraó era um deus vivo; na Mesopotâmia, o patesi era a representação do divino; entre os hebreus, o juiz se auto-intitulava escolhido por Javé. Não obstante, na magnífica e imponente Roma o imperador era uma divindade merecedora de respeito e obediência desmedida e inquestionável por parte de uma população miserável e iletrada.
A legislação aristocrática e autoritária servia de pano de fundo para o circo de horrores políticos: definia cidadão, via de regra, como aqueles grandes proprietários de terras, de objetos e de gente coisificada. O humano desprovido de riqueza ou o cavalo servindo de montaria a um nobre não se diferenciavam! O escravo era a pura expressão do anti-cidadão na civilização que apregoava a cidadania. A inclusão era para alguns e nela não cabia o dejeto social. A lei que deveria ser seguida era aquela que fora elaborada em benefício de poucos e, talvez, por isso mesmo, não poderia ser questionada, afinal, dura lex, sede lex. A legislação era a mantenedora da ordem. Todavia, cabem aqui algumas perguntas: que ordem? A ordem da anticidadania? Da miséria? Da submissão? Sim, provavelmente não haveremos de encontrar entre artigos e alíneas complexas, tortuosas, labirínticas, com seus alçapões e arpões para peixes de segunda categoria a busca pela manutenção de outra ordem.
Levando em conta a possibilidade do descumprimento da lei, a elite dominante, precavida e com percepção de longo alcance, cria seu braço armado: o exército ou equivalente, comandado pela casta abastarda e composta por miseráveis para reprimir miseráveis em nome da segurança nacional. Fica evidente a compreensão do perigo que seria uma massa faminta, revoltada e desobediente, não temente a Deus e a alguns homens. Ao lado dos exércitos, bem treinados e armados, onde jovens que nunca manusearam canetas eram hábeis com fuzis, erguem-se os templos das torturas e monumentos da repressão: as cadeias.
Cada vez mais sofisticadas na arte da reclusão, as prisões passam a ser símbolos do poder tanto quanto os palácios na medida em que abrigam os inimigos do rei, ao passo que, nos salões palatinos, guardavam-se os amigos do rei. Uma vez encarcerado, o individuo não seria mais influência maléfica à sociedade. Perguntar-se-ia: qual sociedade?
O tempo passou, a história foi sendo construída com seus avanços e retrocessos. Todavia, três coisas não mudaram, ainda: manda quem pode, obedece quem tem juízo e cadeia não é pra todo mundo.
Adailton Figueiredo.
11 comentários:
texto perfeeeiitoooo!!
qria escrever como vc...
simplesmente genial ;D
Elaine,
Obrigado pelo comentário gentil. Continue visitando nosso blog.
Professor,
você não é humano, você é uma potência licenciada com certificado em história. Obrigado pela sublime leitura que acabo de fazer.
Adailton,
Parabéns pelo artigo, ficou realmente muito bom. Vou sugerir ao meu pai que publique-o no Cajarana, na próxima edição. Você nos permite?
A foto postada junto ao texto também é muito boa, e chocante. Vejo que gostas de fotos e imagens chocantes. Novamente, não precisa de legenda!
O caso de Daniel Dantas é realmente absurdo. Não entendo como se concebe no Brasil que se possa requerir Habeas Corpus Preventivo. Preventivo! Quer dizer, o criminoso tanto sabe que infrigiu à Lei que já tenta se livrar antecipadamente.
Estamos na expectativa pela aula sobre a Ditadura Militar e a peça!
Até mais!
P.S.: Engraçado você ter cedido à moda da UFRN em "gente coisificada"! Rsrs...
P.S.2.: Agenor não vai escrever no blog? Aposto que seria ótimo!
Professor, depois de 16 anos sem ter a oportunidade de ler algum texto (ou poesia), sou agradavelmente surpeendida por este blog.
Ah, se eu tempo voltasse...
É muito bom saber que temos pessoas que estão na sociedade, e que não são sujeitos que acreditam em qualquer discurso, esses questionam e refletem possibilitando um verdadeiro contraponto entre a História e a sociedade atual, num país chamado "Brasil".
Acrescento as brilhantes palavras desta:
“Quanto mais negra é a noite, mais brilham as estrelas”.
Rosa Luxemburgo
É muito bom saber que temos pessoas que estão na sociedade, e que não são sujeitos que acreditam em qualquer discurso, esses questionam e refletem possibilitando um verdadeiro contraponto entre a História e a sociedade atual, num país chamado "Brasil".
Acrescento as brilhantes palavras desta:
“Quanto mais negra é a noite, mais brilham as estrelas”.
Rosa Luxemburgo
Valeu Adailton!
Ótimo artigo. Gostei muito de sua abordagem em relação a dominação do povo pelos poderosos, que mesmo sendo uma realidade, mas que muitas vezes não conseguimos perceber.
Adorei!
Ensina-me a escrever assim?
=D
Adorei o texto. E a expressão em latim, com certeza, foi muito interessante.
Abraço,
RT.
Ensina-me a escrever assim?
=D
Adorei o texto e a expressão em latim, com certeza, foi muito pertinente.
Abraço,
RT.
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