domingo, 13 de julho de 2008

Diálogo entre pai e filho

Filho - Pai, por que o nosso país invadiu o Iraque? - perguntou Billy, de 8 anos.
Pai - Lá tinha armas de destruição em massa.
F - Mas a TV disse que os inspetores não acharam nada.
P - Os iraquianos esconderam. E nosso governo sabe que invasões funcionam mais que inspeções.
F - Se tinham tais armas, por que não usaram quando atacamos?
P- Para que ninguém soubesse que eles têm as armas. Preferem morrer a defender-se.
F - Como um povo pode preferir morrer a defender-se?
P - A cultura deles é diferente. Preferem morrer e ir logo para junto de Alá. E lembre-se que Saddam Hussein era um cruel ditador.
F - Como cruel?
P - Torturava e matava gente.
F - Como na China comunista?
P - A China é diferente, seu povo trabalha para as nossas empresas, reduzindo os custos da produção e aumentando os nossos lucros.
F - Mas a China não é comunista?
P - É.
F - E os comunistas não são maus?
P - Só os comunistas da Coréia do Norte e de Cuba, que prendem e torturam gente.
F - Como fazemos em Bagdá?
P - É diferente. Nós prendemos e torturamos em defesa dos direitos humanos e da liberdade.
F - Foi o que fizemos no Afeganistão?
P - Lá foi por causa do Osama bin Laden.
F - Ele é afegão?
P - Não, é saudita.
F - Como 15 dos 19 seqüestradores suicidas do 11 de setembro?
P - Sim.
F - E por que não invadimos a Arábia Saudita?
P - Porque o governo de lá é nosso amigo.
F - Como era Saddam em 1980, ao combater o Irã?
P - Sim, quem combate o nosso inimigo é nosso amigo.
F - E por que temos inimigos?
P - Porque muitos povos têm inveja de nosso progresso.
F - Mas, pai, inveja não é problema do invejado?
P - O invejoso de hoje pode virar o terrorista de amanhã.
F - O que é um terrorista?
P - É uma pessoa que não pensa como nós pensamos.
F - Mas não defendemos a liberdade de opinião?
P - Só a que não vai contra a nossa opinião.
F - O Iraque nos atacou?
P - Não, mas agora fazemos guerras preventivas, evitamos o mal antes que a semente dele caia na terra.
F - Nós é que produzimos as armas empregadas nas guerras?
P - Boa parte delas, pois a guerra favorece a nossa economia.
F - Quer dizer que ficamos ricos às custas da morte de outros povos?
P - É a lógica do mercado.
F - Mas, pai, uma vida humana não vale mais que um míssil? Não foi isso que você me ensinou?
P - Teoricamente sim, mas na prática não é assim. Para o mercado, só tem valor a vida que está dentro dele, a do consumidor.
F - E as outras vidas?
P - Filho, nada em excesso é bom. Muito vento causa furacão; muita água, enchente; muitas bocas, fome.
F - Quer dizer que nós matamos como Saddam e o Talibã matavam?
P - Nós matamos a favor da liberdade; eles, contra.
F - Inclusive crianças como eu?
P - Você não é como elas. Não temos culpa de os nossos inimigos terem filhos.
F - Deus aprova isso?
P - Sim, nosso presidente fala diretamente com Deus.
F - Como assim?
P - Ele escuta a voz divina em sua cabeça. Deus o elegeu para fazer a guerra do bem contra o mal.
F - Mas Deus e Alá não são a mesma pessoa?
P - Billy, chega de perguntas. E, por favor, não confunda o nosso Deus com o deles!
(Por Frei Betto)

4 comentários:

Anônimo disse...

Fantástico!

Anônimo disse...

Genial, e triste.
"Defendemos a liberdade de opinião, desde que nçao vá de encontro a nossa opinião." Nossa.

Anônimo disse...

O texto apresentado é excelente. Ele mostra exatamente como os estadunidenses manipulam ideologicamente o seu povo, a fim de que ele desenvolva um sentimento de superioridade e supremacia sobre os demais povos. Dessa forma, a cultura do oriente é renegada pelos ocidentais, os quais passam analisar os países do mundo árabe como nações dominadas essencialmente pelo terrorismo e pelo fanatismo religioso.

Anônimo disse...

Ótimo texto! É bem triste vermos a visão dos Estados Unidos em relação à economia do país mas, principalmente, à questão ética e moral.