quarta-feira, 9 de julho de 2008

O BRASIL DE RIO BRANCO - A obra do barão incluiu a construção das fronteiras, a adesão ao pan-americanismo e a projeção do país na América do Sul.

A proclamação da República, em 1889, assinalou mudanças na diplomacia brasileira. O eixo diplomático, até então voltado para a Grã-Bretanha, transferiu-se para os Estados Unidos. A política exterior continuou a ser, como no Império, dominada pela elite. Durante o período da Primeira República (1889-1930), grande parte dos ministros provinha dos estados cafeeiros do Centro-Sul. Acreditando que o comércio poderia interligar as duas nações numa comunidade diplomática harmoniosa, o governo brasileiro conferiu prioridade à aproximação com Washington. José Maria da Silva Paranhos, o Barão do Rio Branco, foi o primeiro diplomata latino-americano a reconhecer plenamente a importância dos Estados Unidos no cenário internacional. A partir de 1876, Rio Branco exerceu as funções de cônsul-geral do Brasil em Liverpool, na Inglaterra. Tornou-se Ministro das Relações Exteriores no fim de 1902, cargo que ocupou durante o governo de quatro presidentes, até a sua morte, em 1912. Foi ele o arquiteto da demarcação das fronteiras nacionais.
Em 1905, o chanceler brasileiro elevou à categoria de embaixada a legação brasileira nos Estados Unidos. Foi a primeira embaixada do Brasil num país estrangeiro. Rio Branco estava consciente de que, já em 1904, os Estados Unidos absorviam cerca de metade das exportações brasileiras. À luz da nova realidade econômica, o barão buscou um modelo de articulação preferencial com os Estados Unidos. Tratava-se, em sua concepção, de construir uma “aliança não escrita” entre o Rio de Janeiro e Washington.
Pan-americanismo
Rio Branco percebia que o interesse dos Estados Unidos em manter relações próximas com a América Latina não obedecia a princípios morais: o pan-americanismo, articulado a partir de 1888 por Washington, atendia ao interesse específico de aumentar a influência norte-americana no chamado “Hemisfério Ocidental”. Não havia ingenuidade na adesão brasileira ao pan-americanismo. A opção exprimia a percepção realista de que manter relações estreitas com a nova potência mundial convinha aos interesses do Brasil. No fundo, a “aliança não escrita” devia ser uma plataforma para a projeção da influência brasileira na América do Sul.
Desde os tempos da disputa pela Cisplatina (o atual Uruguai), no início do século XIX, a rivalidade entre o Brasil e a Argentina expressava projetos antagônicos de liderança na América do Sul. A divergência de rumos acentuou-se no momento em que o Brasil transferia seu eixo diplomático para os Estados Unidos, enquanto a Argentina optava por manter laços preferenciais com a Grã-Bretanha. A política de Rio Branco consistiu em reformular as relações com Buenos Aires, manipulando a “carta chilena”. O Chile, que mantinha acesas disputas com a Argentina, tornou-se veículo de um ambicioso empreendimento diplomático.
Aprofundando as relações de amizade do Rio de Janeiro com Santiago, o chanceler deflagrou a chamada Política do ABC (das iniciais dos três países). A idéia consistia em transformar o Brasil em mediador das relações internacionais no Cone Sul. Em 1915, depois da morte do Barão, foi assinado o Tratado para Facilitar a Solução Pacífica de Controvérsias Internacionais, conhecido como Tratado do ABC. Em novas condições históricas, as negociações para a adesão do Chile ao Mercosul podem ser interpretadas como uma atualização da política trilateral de Rio Branco.
A estreita ligação com os Estados Unidos favoreceu um antigo e fundamental objetivo da diplomacia brasileira – a demarcação das fronteiras. A aliança, mesmo que não escrita, fazia pender a balança do poder sul-americano em favor do Brasil. No Brasil, os problemas de limites remetem ao período colonial. O Tratado de Madri, assinado em 1750 entre Portugal e Espanha, estabelecera o princípio do uti possidetis – a ocupação efetiva da terra seria a base para a definição da soberania. Portugal cedeu a Colônia do Sacramento, enquanto a Espanha renunciou à soberania sobre as missões jesuíticas dos Sete Povos. Contudo, o tratado não conseguiu impedir a continuidade, por mais de um século, das disputas de limites na região do Rio da Prata.
Foi na região platina que a estrela de Rio Branco começou a brilhar. Entre 1893 e 1895, o Barão atuou como representante brasileiro no arbitramento internacional da disputa de limites com a Argentina, na região de
Palmas. No sistema de arbitramento, os países em litígio concordam em indicar um mediador e acatar sua decisão. O litígio foi arbitrado pelo presidente americano Grover Cleveland, que conferiu vitória ao Brasil.
A vitória de Palmas conduziu à indicação do barão como representante brasileiro na disputa com a França, em torno das fronteiras do Amapá com a Guiana. A posição francesa foi defendida pelo célebre geógrafo Vidal de La Blache. Em 1900, o Conselho Federal Suíço, escolhido como árbitro, concedeu parecer favorável ao Brasil.
Os dois sucessos retumbantes transformaram levaram ao cargo de chanceler. Na “década de Rio Branco”, a diplomacia nacional conheceu uma fase de ouro, quando foram solucionadas as disputas de fronteiras na Amazônia.
A disputa pelo Acre, rica região produtora de borracha que era território boliviano, iniciou-se em 1889. Os seringueiros brasileiros que povoaram a região não tinham a menor intenção de sujeitar-se ao domínio boliviano e engajaram-se em um conflito militar. Diante do agravamento da situação, iniciaram-se tensas negociações diplomáticas. A questão foi resolvida em 1903, com a assinatura do Tratado de Petrópolis. O Brasil comprou o Acre por dois milhões de libras esterlinas e comprometeu-se a construir a ferrovia Madeira-Mamoré, que daria à Bolívia acesso à rede fluvial amazônica e ao Oceano Atlântico.
O Peru protestou contra o Tratado de Petrópolis, pois reclamava para si o Acre, além de outras áreas. Rio Branco passou a focalizar sua atenção na conclusão de um acordo de limites definitivo com o governo peruano. Em 1909, com base no uti possidetis, foi assinado o tratado que definiu as fronteiras entre os dois países. Pouco antes, em 1907, foi firmado um acordo básico de limites com a Colômbia, que deu suporte ao tratado definitivo, em 1928. Problemas com a Guiana Durante as negociações com a Bolívia, estourou um litígio com a Guiana Inglesa, que acabou submetido a arbitramento do então rei da Itália. Joaquim Nabuco, indicado representante do Brasil, escreveu uma defesa monumental. A decisão do rei Vítor Emanuel foi uma decepção. Na única derrota nacional em arbitragens, repartiu-se a área disputada em partes desiguais, concedendo-se 19,6 mil km2 para os britânicos e 13,5 mil km2 para o Brasil.
A “era de Rio Branco” delimitou, de uma vez por todas, o “corpo da pátria” e inaugurou a moderna diplomacia brasileira. Nela se encontram os fundamentos estratégicos da política externa atual, que busca definir o lugar do Brasil num continente submetido à influência hegemônica dos Estados Unidos.

Nenhum comentário: