Nota do Autor: Este artigo é um resumo comentado do ensaio "A pasteurização da esquerda", de Frei Betto, uma análise lúcida e corajosa sobre nossa história recente.
Volto hoje das férias com uma conversa política, digamos, bastante séria e profunda.
A questão foi levantada por Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, frade dominicano e escritor, autor de 44 livros: por que a esquerda logra ser alternativa de governo, mas não consegue ser alternativa de poder? Notem que não falo apenas dos comunistas, mas da esquerda em geral, incluindo a católica.
É de domínio público que, desde a queda do Muro de Berlim, em 1989, a esquerda entrou em crise de identidade no mundo inteiro. A implosão da União Soviética e a adesão da China à economia capitalista de mercado deixaram-na órfã, sem respaldo para empreender mudanças pela via revolucionária.
Na virada do século XX para o século XXI, a América do Sul assistiu ao agravamento da questão social em decorrência das políticas neoliberais adotadas nas décadas precedentes. Isso fortaleceu os movimentos sociais e os partidos políticos que representavam alternativas de mudança. É o que explica a eleição para presidente da República de Hugo Chávez na Venezuela, Lula no Brasil, Evo Morales na Bolívia, Rafael Correa no Equador e Fernando Lugo no Paraguai.
Peço ao caro leitor um pouco mais de atenção, a partir de agora. Lembra Frei Betto que, ao chegar ao Governo Federal, o PT preencheu considerável parcela de funções administrativas graças à nomeação de líderes de movimentos sociais. Afastados de suas bases, essas lideranças estão hoje perfeitamente adaptadas às benesses do poder, sem o menor interesse em retomar o "trabalho de base". Instados a se manifestar, são a voz do governo junto às bases, e não o contrario. É o que o professor Chico de Oliveira, do CEBRAP, ensina como o surgimento de uma "nova classe social dominante" na sociedade brasileira. Será? Ou seja, no Brasil, o governo Lula optou por uma governabilidade baseada na política de conciliação com setores dominantes e de compensação para os dominados e subalternos, dentro do receituário econômico neoliberal. Os lucros astronômicos dos bancos assim o comprovam.
Ao assumir a presidência, Lula poderia ter assegurado sua sustentabilidade política em duas pernas: o Congresso Nacional e os movimentos sociais. Escolheu o primeiro parceiro e descartou o segundo, que lhe era co-natural. Assim, tornou-se refém (voluntário) de forças políticas tradicionais, oligárquicas, que ora integram o grande arco de alianças de apoio ao governo.
Por sua vez, o governo Lula adotou uma política de relação direta com parcela mais pobre da população, sem a mediação dos movimentos sociais, como é o caso do programa Bolsa Família, que ocupou o lugar do Fome Zero. Este se apoiava em Comitês Gestores integrados por lideranças da sociedade civil, que controlavam e fiscalizavam a iniciativa
Agora, o mesmo papel é exercido pelas prefeituras. E o propósito emancipatório, de manter as famílias castigadas pela miséria no programa por, no máximo, dois anos, foi abandonado em favor de uma dependência que traz ao governo bônus eleitoral. É óbvio que tal prática enfraquece e imobiliza os movimentos sociais e, ao mesmo tempo, põe o núcleo governante voltado unicamente ao seu próprio projeto de perpetuação no poder.
O fenômeno do Lulismo (76% de aprovação) se descolou do petismo. O PT, por sua vez, aceitou restringir-se ao jogo do poder. Agora, o processo de filiação de novos militantes já não obedece a critérios ideológicos, nem há cursos de capacitação política. Nas alianças eleitorais, negociam-se tão somente cargos, tempo de televisão e custos de campanha. Tais mudanças apontam para a perda do horizonte ético, fundado na utopia socialista, que norteava a esquerda. Trata-se agora de sobreviver politicamente, num cenário que combina a economia de mercado com uma política social-democrata de caráter compensatório, não emancipatório. Apostam que não somos mais cidadãos, seríamos todos apenas consumidores-eleitores. Assim, questões maiores da pauta histórica da esquerda, como a reforma agrária, fiscal, urbana, política e universitária são relegadas a um futuro incerto, quiçá sejam enterradas vivas.
Resumo da ópera: segundo Frei Betto, o Projeto civilizatório da Nação brasileira foi descartado em beneficio de um projeto de poder de um grupo dominante, para cujo êxito não faltam escândalos de corrupção e alianças com partidos e forças sociais e econômicas que o PSB, o PCdoB, o PT, e o PDT, ao serem fundados, propunham enfrentar e derrotar. Uma grande contradição, entre a teoria e a prática. Será a vitória do mercado sobre os valores humanitários? Será a derrota do pensamento?
Adam Smith, Karl Marx, Alfred Marshall, John Maynard Keynes, acordem! Eles enlouqueceram.
Autor: Rinaldo Barros é professor da UERN.
E-mail: rinaldo.barros@gmail.com
Autor: Rinaldo Barros é professor da UERN.
E-mail: rinaldo.barros@gmail.com
Nota do blog: uma das características de um bom artigo é causar desconforto intelectual; façam as análises necessárias e tirem suas conclusões.
Nenhum comentário:
Postar um comentário