sábado, 24 de janeiro de 2009

A banalização do mal.

A expressão “banalização do mal” surgiu numa série de reportagens escritas pela filósofa Hannah Arendt sobre o julgamento de Eichmann, um dos carrascos nazistas, preso na Argentina, após a segunda guerra mundial, pelo serviço secreto de Israel (Mossad). Foi Eichmann o principal executor da “solução final para o problema judeu” – eufemismo, segundo os registros históricos, utilizado pelo nazismo para designar o holocausto, o “extermínio programado do povo judeu”.

Até que ponto, hoje, já se banalizou o “extermínio programado dos palestinos” pelos judeus? Tudo indica que a ofensiva de Israel contra a Faixa de Gaza foi decidida com o propósito de criar um “fato consumado” antes da posse de Barack Obama. Com isso Israel pretende evitar possíveis pressões do futuro governo norte-americano em favor de concessões que viabilizem projetos de paz. Como Israel não se dispõe a fazer concessões aos palestinos, mesmo sabendo que são indispensáveis a uma solução pacífica, qual a outra opção que lhe restava? Uma ofensiva militar de grandes proporções para eliminar milhares de palestinos (talvez todos), quer isso caracterize genocídio ou não, quer se pareça ou não com o holocausto dos judeus vítimas do nazismo. Então, se houver negociação, Israel ditará as regras do jogo: negociará em condições supervantajosas. Mas será que esse massacre resolverá o problema da insegurança em que vive Israel? E se o Irã, apesar de toda a vigilância dos Estados Unidos, construir um arsenal atômico? Afinal, o que fará o novo presidente Barack Obama? Sua disposição de extinguir a prisão de Guantánamo é ótimo sinal de que cumprirá as promessas de campanha. Chegará a vez do Estado palestino?

E a crise econômico-financeira mundial? Será que está se banalizando? Nem tanto. Há uma proposta do Presidente da França, Nicolas Sarkozy, de “refundar” o capitalismo. E o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, sentiu-se na obrigação de cobrar dos ingleses, na mensagem de fim de ano, “um esforço de guerra” para resistir aos efeitos da turbulência que atinge o planeta. Aqui no Brasil, Delfim Netto, em recente artigo, após definir, sinteticamente, o regime capitalista como o de “livre mercado”, advertiu para o fato de que se trata de uma crise “perigosa”, pois ameaça comprometer o próprio cerne do capitalismo. Mas há prognósticos de economistas, estrangeiros e nacionais, para todos os gostos: uns acham até que o diabo não é tão feio quanto se pinta e outros já recomendam que se repense o papel do Estado na regulação das atividades econômicas.

Comentários “especializados” tentam explicar a atual crise com o argumento de que o capitalismo está sujeito a fases cíclicas de depressão e estagnação econômica. Relega-se para segundo plano a origem da crise. Não se pode esquecer, no entanto, como ela começou. E onde e como tudo se iniciou? Iniciou-se nos Estados Unidos, sob forma de empréstimos chamados de “subprime”, que eram feitos para compra da casa própria, mediante taxas de juros reduzidas, a clientes com baixa capacidade de pagamento, sem condições de oferecer garantias (a não ser o próprio imóvel adquirido) e com um suspeito histórico de inadimplência.

Em alguns casos – dos clientes “ninjas” – esses empréstimos eram feitos até mesmo a desempregados ou a pessoas sem profissão definida, com evidentes dificuldades de honrar as obrigações que assumiam. Havia, ainda, a transferência do valor do crédito de uma instituição financeira para outra e, assim, antes que o primeiro empréstimo fosse pago, realizava-se um novo empréstimo com o crédito podre originário da operação anterior, numa sequência de riscos acumulados que teria de terminar da forma desastrosa que se conhece. Toda essa absurda irresponsabilidade foi praticada sob os olhos e com o incentivo do Federal Reserve (Fed), o Banco Central norte-americano, interessado, segundo consta, em fomentar a expansão imobiliária para financiar indústrias de alta tecnologia, voltadas para a prevenção de ataques terroristas. Em suma, uma monstruosa farra especulativa.

Ivan Maciel de Andrade - Advogado
Fonte:
http://tribunadonorte.com.br/coluna.php?id=2004&art=98968, em 24.01.2009, 07h48min.

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