Duas décadas após o desastre de Chernobyl, a energia nuclear está novamente em expansão para enfrentar o preço do petróleo e o aquecimento global
Há duas décadas, a devastadora explosão de um dos reatores da usina nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, chocou o mundo e alterou a percepção dos governos e da opinião pública sobre a energia produzida pelo urânio. O acidente espalhou toneladas de material radioativo por uma área de 150 000 quilômetros quadrados e matou nas primeiras semanas três dezenas de pessoas. Segundo um levantamento da Organização Mundial de Saúde, devido às pessoas que morreram nos anos seguintes em razão de doenças relacionadas à radiação, o total de vítimas pode chegar a milhares. Diante desse horror, vários países, como a Inglaterra e a Alemanha, resolveram desativar gradativamente suas usinas nucleares. Na Itália, a decisão veio por consulta popular. Os Estados Unidos já haviam interrompido a construção de novos reatores desde 1979, quando ocorreu um superaquecimento do reator de Three Mile Island. A novidade é que a roda da história voltou a girar a favor da energia nuclear. O que até pouco tempo atrás era visto como uma tecnologia sinistra passou a ser encarado, em muitos países, como uma esperança de energia limpa e barata. Hoje, 35 usinas estão sendo construídas em vários países e outras 93 deverão ser erguidas nos próximos anos – mais da metade delas na Ásia.
Nos Estados Unidos, os dois candidatos à Presidência, Barack Obama e John McCain, já anunciaram que são favoráveis à multiplicação das usinas no país. O governo da Inglaterra divulgou que pretende fazer o mesmo. A Itália, único país do G8 que não produz energia nuclear, embora a importe, informou há dois meses que vai construir usinas. O Brasil, por sua vez, acaba de comunicar a retomada da construção de Angra III, no litoral do Rio de Janeiro. Ao longo de quinze anos, até o acidente de Chernobyl, em 1986, a parcela da eletricidade produzida no planeta vinda da energia nuclear saltou de 2% para 16% – patamar que se mantém ainda hoje. Calcula-se que em 2050 essa proporção suba para 22%. Trata-se da maior expansão do parque nuclear mundial desde a década de 70.
O renascimento da energia nuclear é explicado por uma conjunção de fatores. O primeiro é econômico. A disparada do preço do petróleo e do gás natural, que juntos respondem por 25% da eletricidade produzida no planeta, torna cada vez mais cara a energia obtida desses combustíveis fósseis. O quilowatt/hora gerado com petróleo e gás dobrou de preço desde 1995. Em contrapartida, a energia produzida por usinas nucleares, beneficiadas por tecnologias que aumentaram a produtividade, ficou mais barata. Para comparar: o custo da eletricidade gerada com petróleo é hoje seis vezes superior ao da nuclear. As termelétricas a carvão, que produzem 40% da eletricidade do mundo, continuam a ser construídas a todo o vapor, principalmente na Rússia e na China. O custo da energia produzida com carvão permanece equilibrado há uma década – mas, mesmo nesse caso, o átomo pesa menos no bolso.
O segundo fator que impulsiona o renascimento da energia nuclear é o combate ao aquecimento global, uma causa que mobiliza governos e opinião pública. Uma termelétrica que usa matérias-primas fósseis emite 1 quilo de dióxido de carbono (CO2), o principal gás do efeito estufa, por quilowatt/hora gerado. Uma usina nuclear emite apenas 30 gramas de CO2 para produzir a mesma quantidade de energia – mesmo assim, entram nessa conta apenas fatores externos ao funcionamento do reator, como transporte de matéria-prima. "A energia nuclear tinha má fama, mas o cenário mudou drasticamente com o aumento de preços dos combustíveis fósseis e a preocupação com o aquecimento global", disse a VEJA o alemão Hans-Holger Rogner, coordenador de estudos econômicos da Agência Internacional de Energia Atômica. Além da questão do custo das matérias-primas e da preocupação verde, o renascimento da energia nuclear é impulsionado por questões geopolíticas. Na visão de muitos governantes dos países democráticos, as usinas nucleares são uma maneira de diminuir a dependência em relação ao petróleo e ao gás natural, cujas maiores jazidas se encontram em mãos de governos que merecem pouca confiança, como Rússia, Líbia, Irã e Venezuela. Ignorar o potencial da energia nuclear equivaleria a se deixar indefinidamente à mercê de ditadores e governantes imprevisíveis.
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