Passeio descuidadamente pela internet. No meio de meu zapping virtual, uma notícia me chama a atenção: após 29 anos na cadeia, condenado à prisão perpétua pelo estupro de duas crianças, um norte-americano foi libertado depois da comprovação de sua inocência. Dois exames de DNA, feitos por laboratórios diferentes, provaram que o sêmen encontrado nas roupas íntimas das vítimas não poderia ser de Raymond Towler, o acusado e condenado pelo crime. Aos 52 anos, ele retornou ao convívio familiar e recuperou sua liberdade, lhe tirada aos 24 anos, quando ainda iniciava sua carreira como músico. Proferida a decisão, Towler anunciou ser aquele o dia mais feliz de sua vida e que não sentia ódio por ninguém, levando a juíza do caso às lágrimas.
Este pequeno relato apresenta o argumento principal deste texto: a justiça é falível, pois é administrada por homens. Não apenas isso: está sujeita a preconceitos sociais, culturais e raciais – não custa lembrar que Raymond Towler é negro e o estado de Ohio, onde ele estava preso, é composto principalmente por uma população branca (cerca de 80%). Assim, inocentes podem pagar por crimes que jamais cometeram, com o Estado cerceando um de seus direitos fundamentais mais preciosos – a liberdade. Retira-lhes as oportunidades da vida, o contato com as pessoas, com a natureza, com a vida fora do sistema prisional.
Entretanto, a pena de reclusão, por pior que seja, pode ser reparada. Diz-se que os 29 anos retirados de Towler não voltarão. Pelo menos ele ainda terá alguns anos pela frente e, em liberdade, poderá retomar sua vida. E se ele tivesse sido condenado à pena de morte? Executado pelas autoridades, poderia ele, depois da comprovação de sua inocência, ressuscitar? Poderia ele rever seus familiares? Poderia ele reconstruir seu cotidiano?
A pena de morte é capital: não permite erros ao judiciário e nem que novas técnicas científicas possam inocentar os assassinados por ordem do Estado. É sem volta. Por esse motivo, sou contra pena de morte.
Mas – me dirão os muitos defensores deste tipo de penalidade – são raros os casos em que inocentes terminaram executados, pois a pena de morte não é utilizada indiscriminadamente. Ou, para utilizar outro raciocínio, dirão que os benefícios sociais, em termos de redução da criminalidade, são enormes. E, frente ao ganho geral da sociedade, vale a pena correr o risco de um inocente perder a vida.
Não consigo aceitar qualquer um desses argumentos. Começo por refutar o segundo: não há comprovação estatística da redução da criminalidade por causa da possibilidade do criminoso ser punido com a morte. Existem vários estudos publicados e a maioria deles aponta que a diminuição dos índices delitivos relaciona-se com fatores extra-penais, como a melhoria das condições de vida da população e o acesso a direitos fundamentais básicos, como saúde, educação e habitação.
A respeito do primeiro argumento, respondo citando Carlos Marchi, autor do livro Fera de Macabu, que conta a história de um dos últimos condenados à morte no Brasil. Num debate público sobre a pena capital, ocorreu o seguinte diálogo entre ele e um participante:
Perguntaram-me: “E se a vítima fosse sua filha?”
Respondi: “E se o acusado fosse seu filho e ele, olhando fundo nos seus olhos, dissesse – ‘Pai, sou inocente’?”
Ao que acrescento: E se o acusado fosse você e, sabendo de sua inocência e de mãos atadas, não lhe restasse mais nada senão esperar o dia de sua morte?
Este pequeno relato apresenta o argumento principal deste texto: a justiça é falível, pois é administrada por homens. Não apenas isso: está sujeita a preconceitos sociais, culturais e raciais – não custa lembrar que Raymond Towler é negro e o estado de Ohio, onde ele estava preso, é composto principalmente por uma população branca (cerca de 80%). Assim, inocentes podem pagar por crimes que jamais cometeram, com o Estado cerceando um de seus direitos fundamentais mais preciosos – a liberdade. Retira-lhes as oportunidades da vida, o contato com as pessoas, com a natureza, com a vida fora do sistema prisional.
Entretanto, a pena de reclusão, por pior que seja, pode ser reparada. Diz-se que os 29 anos retirados de Towler não voltarão. Pelo menos ele ainda terá alguns anos pela frente e, em liberdade, poderá retomar sua vida. E se ele tivesse sido condenado à pena de morte? Executado pelas autoridades, poderia ele, depois da comprovação de sua inocência, ressuscitar? Poderia ele rever seus familiares? Poderia ele reconstruir seu cotidiano?
A pena de morte é capital: não permite erros ao judiciário e nem que novas técnicas científicas possam inocentar os assassinados por ordem do Estado. É sem volta. Por esse motivo, sou contra pena de morte.
Mas – me dirão os muitos defensores deste tipo de penalidade – são raros os casos em que inocentes terminaram executados, pois a pena de morte não é utilizada indiscriminadamente. Ou, para utilizar outro raciocínio, dirão que os benefícios sociais, em termos de redução da criminalidade, são enormes. E, frente ao ganho geral da sociedade, vale a pena correr o risco de um inocente perder a vida.
Joaquin José Martinez ficou quatro anos no corredor da morte, mas era inocente.
Não consigo aceitar qualquer um desses argumentos. Começo por refutar o segundo: não há comprovação estatística da redução da criminalidade por causa da possibilidade do criminoso ser punido com a morte. Existem vários estudos publicados e a maioria deles aponta que a diminuição dos índices delitivos relaciona-se com fatores extra-penais, como a melhoria das condições de vida da população e o acesso a direitos fundamentais básicos, como saúde, educação e habitação.
A respeito do primeiro argumento, respondo citando Carlos Marchi, autor do livro Fera de Macabu, que conta a história de um dos últimos condenados à morte no Brasil. Num debate público sobre a pena capital, ocorreu o seguinte diálogo entre ele e um participante:
Perguntaram-me: “E se a vítima fosse sua filha?”
Respondi: “E se o acusado fosse seu filho e ele, olhando fundo nos seus olhos, dissesse – ‘Pai, sou inocente’?”
Ao que acrescento: E se o acusado fosse você e, sabendo de sua inocência e de mãos atadas, não lhe restasse mais nada senão esperar o dia de sua morte?
15 comentários:
João, muito bem argumentado o artigo.
Concordo plenamente com seu posicionamento sobre o assunto, João. Antes de pensar em casos individuais, há de se lembrar sempre que a justiça atua socialmente, no âmbito público, não podendo ser ponderada ou moderada de acordo com os sentimentos particulares de cada um.
O sistema penal pode ser complexo e muitas vezes contraditório, entretanto, o desafio não está em suprimi-lo ou radicalizá-lo. A busca é pela melhor justiça, pelo melhor julgamento e pelo aperfeiçoamento de uma "ciência interpretativa" que deve reconhecer, como questão ética, os seus pontos falhos; jamais, em um mundo democrático sustentado pela capacidade das instituições em dialogar com os indivíduos, a justiça deve trocar as vendas da imparcialidade pela ação radical que exclui os principios éticos e morais que sustentam a NOSSA sociedade.
Parabéns pela reflexão!
Isso sem falar, João, que a pena de morte representa a institucionalização máxima da violência por parte do Estado. Se o Estado pode, em condições normais (leia-se normais como cotidianas, oposto de excepcionais, como o são os casos de guerra)retirar a vida de alguém e transformar isso em um espetáculo, que exemplo de humanidade esse Estado repassará à sociedade? Como bom foucaultiano, vc sabe bem do que estou falando.
Grande abraço!
mas ai entra outro grande problema, o que vamos fazer com tanta gente preça? onde vamos coloca-las?...
Concordo com você, João. Como a gente já tinha discutido antes, a pena de morte não me parece solução à criminalidade. Me parece, isso sim, a falta de solução!
E Mariano, sua reflexão foi pontual quando fala do Direito como uma ciência interpretativa e, por isso, digna de questionamento.
Adorei! :)
Bravo! Não é a toa que venho ao blog todo santo dia :] Obrigado pelo conteúdo tão bem elaborada e pela presteza nos artigos!
Adorei o texto, devemos pensar tbm no avanço em que o direito teve em nossa sociedade, não devemos retornar às penas da antiga Mesopotâmea, ou da Idade Média. E sobre a colocação de Guilherme, acredito que devemos investir na educação em primeiro lugar, para tentar diminuir os índices criminais, e aplicar penas alternativas em casos que não haja violência(medida que já está em discusão no nosso país), assim diminuaremos o n° de presos, além desta medida ser igualmente ou até mais eficaz.
E se o acusado for realmente culpado, tendo tirado a vida de um(a) inocente? e se o acusado, em liberdade condicional por bom corpotamente, - avaliado por um desses burocratas de plantão - voltar a cometer o mesmo crime?
é, são muitos ses...
Se o acusado for realmente culpado, deve ser punido. Não defendo o fim da punição. Defendo que não deve haver pena capital, posto que esta não permite reparação de erros.
Quanto à liberdade condicional, devemos lembrar que a função da penalidade é "ressocializar" a pessoa que cometeu o ato delitivo. Se ela apresentar bom comportamento e estiver dentro das prerrogativas da lei, é seu direito ter liberdade condicional. Se voltar a cometer um crime, deve ser punido; se não, deve seguir sua vida.
A época de determinismos, quando se imaginava saber quem eram os criminosos potenciais ou aqueles que voltariam a praticar crimes, já passou.
Professores,
Queria saber o que vocês acham desta revista http://historia.abril.com.br/revista/ e se, o que nela é escrito, vem de fontes verdadeiras na opinião de vocês. :]
Obrigado!
Renan,
a revista Aventuras na História, da editora Abril, não é tão cuidadosa quanto as suas correntes, principalmente a História Viva e a Revista de História da Biblioteca Nacional. Essas duas são excelentes.
Obrigado, João! Vou me informar e assinar essas duas!
Concordo plemamente com as colocações feitas pelo João carlos! devemos averiguar também que o homem de maneira alguma tem o direito de decidir quem deve morrer ou não. que nação é essa que tem por direito o poder de decisão!? se é de justiça q estamos falando desde quado é justo tirar a vida de alguém. não concordo com a pena de morte em hipotese alguma! não acho que assim iremos evitar ou reduzir a criminalidade. deveria-se punir de maneira certa'!
prof. joão, essa finalzinho se semana' esse foi o assunto entre a minha roda de amigos' quem é a favor ou contra a penalização de morte. e pude cncluir e esse é sim um asunto muito polemico! e me deu a ideia de fazer com meus amigos um artigo de opinião sobre isso: "por que eu sou contra a penalização de morte".. e acho que vai dar certo! tomara!! se tudo for de acordo com o que eu planejo vai ser bem legal' dai vou postar no meu blog.. e pelo que posso ver vai ser um maximo!! ter todos os meus amigos debatendo o mesmo assunto.. quero ver como cada um se porta diante de um assunto tão polêmico, e esquecido pela sociedade...
esse sabado de manhã eu tava terminando de ler um livro "A Cabana" de William P. Yuong; o livro conta a história de um homem q perde a filha após ter sido estuprada e assacinada.. TENSO! conta q ele encontra com Deus na cabana onde o vestido de missy a filha dele foi encontrado, provavelmemte onde ela morreu. A missão de Deus é fazer com que mack, o protagonista, perdoe o assacino!! e lá no finzinho do livro exatamente no capitulo XVI Deus fala pra mack:
- mack o perdão não desculpa nada. Acredite, esse homempode ser qualquer coisa, menos livre. E você não tem o dever de fazerjust~ça nesse caso. eu cuidaderi disso. E, quanto a missy, ela já o perdoou.
"Perdoa não significa esquecer. significa soltar a garganta da outra pessoa. "
EU RECOMENDO ESSE LIVRO PRA TODAS AS PESSOAS! VALE A PENA TER UM ENCONTRO DESSES(MESMO Q POR LIVRO) COM DEUS' ..
É muito simples dizer não a pena de morte e concordar com João Carlos quando o argumento defendido por ele é de que a justiça poderá condenar inocentes. Mas esqueceram que essa é uma questão de várias faces.
Não quero parecer a favor de nenhum regime restrito ou ditatorial,nem tão pouco alguém que despreze a existência Deus. Falo como uma garota de 17 anos que mora em um bairro suburbano,convivendo de perto com marginalidade, tráfico de drogas, assaltos, milícias, jacinas, crimes ediondos e temendo a tudo isso. Eu vejo pessoas morrerem em vão, assasinos serem absolvidos, traficantes ganhando poder por estarem fortemente armados, estorquindo inocentes, usando a pedagogia do medo para calar a vizinhança.
A justiça foi formulada pelos homens e é irrevogavelmente repleta de falhas. Mas, sou sim a favor da pena de morte, conheço a tese de que violência gera violência, e sou catequisada o sulficiente para entender que só Deus,quem nos deu o milagre da vida, pode decidir quando tirá-la.
Mas olhem por outros ângulos,
Não pensem nos seus pais nem nos seus filhos, a violência não está inatingível assim à sua pele. Pensem em vocês, vítimas, refens do medo,morando em casas cercadas de muros, andando em carros blindados. vocês acham isso confortável?
Pense em você que ama viver, que não quer morrer e acha que sua vida custa mais do que um celular e uma pedra de crack.
Você acha que vale mais do que isso para um bandido?
O que vamos fazer com tanta gente presa?
E os imperadores do narcotráfico organizando esquema por telefone na cadeia?
E os psicopatas, serial-killers que apresentam perigo à sociedade?
Lembrem-se do Fernandinho Beira Mar, os Nardoni, suzane, e até aquela bruxa que adotou uma criança para maltratá-la
-cujo nome não me recordo neste momento-
Manter alguem preso custa aos cofres públicos(ao nosso dinheiro) mais do que manter uma criança na escola.
E com a super lotação dos presídios?
Custa mais caro construir novos presídios do que fazer novas escolas.
Talvez meus argumentos não sejam persuasivos e em algum trecho até contraditórios,mas, eu tenho minhas conclusões sobre esse assunto e respeitei as opniões alheias. Espero o mesmo.
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