Caçadores-coletores do Holoceno no Centro-Oeste brasileiro
CÂMARA, Breno Victor Luz.¹,
SILVA, Roberto Airon.²
Resumo
Este artigo apresenta um conjunto de reflexões a respeito do Holoceno no Centro-Oeste brasileiro, enfatizando o povoamento antigo do Brasil, em particular, dos caçadores-coletores, em todos os âmbitos da sua atuação. Essas reflexões têm como apoio a leitura de textos sobre as origens e evidências de tais grupos e do período em que eles viveram. A respeito desses mesmos temas, este trabalho se apóia também nas explanações e discussões realizadas no âmbito da disciplina Pré-História, do curso de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, no primeiro semestre de 2011. Destaca-se a importância das primeiras ocupações do Brasil Central e do desenvolvimento cotidiano do homem arcaico.
Palavras-chave: Holoceno. Brasil Central. Evidências. Caçadores-Coletores.
INTRODUÇÃO
No primeiro semestre do ano em curso, por ocasião das aulas de Pré-História, tivemos a oportunidade de nos aproximarmos do passado, cuja finalidade foi levar toda a turma a refletir sobre o papel do homem e, conseqüentemente, da sua atitude desenvolvimentista no cotidiano pré-histórico. Paralelamente a esses eventos, fomos levados à leitura de textos que tratavam das origens do individuo. A partir das explanações sobre o Holoceno, tema integrante do conteúdo da Unidade II da referida disciplina, partimos com um estudo detalhado sobre tal período.
Este é o período em que não só o planalto, mas também o Brasil inteiro se torna povoado, a secura e o frio do final da glaciação, acompanhados de uma vegetação mais rala, com megafauna, cedem lugar à tropicalidade com vegetação mais desenvolvida e um novo quadro de fauna.
Entre 11 mil e 10 mil AP (anos Antes do Presente; presente é considerado o ano de 1950) os cerrados, que caracterizam a vegetação da área, foram ocupados por caçadores-coletores nômades, portadores de uma cultura arqueológica bastante uniforme, a qual se prolongou até aproximadamente 8500 AP. Esta cultura se destacou, sob vários aspectos, daquela criada nos campos e matas do Brasil.
O Holoceno no Brasil Central
Podemos começar a discutir sobre as particularidades do Holoceno no Brasil Central citando a vegetação, o clima e o relevo.
Os grupos caçadores-coletores fixaram-se em paleopaisagens, antigos ambientes com umidade, temperatura e precipitação pluviométrica mais reduzidas do que atualmente, localizadas, em sua maioria, em regiões de planalto ou faixas de transição entre a zona do planalto e a do alto Tocantins, em altitudes entre 700 e 800 metros.
Geralmente, é difícil relacionar a localização dos sítios arqueológicos de grupos pré-históricos à exploração de um único estrato vegetacional, necessariamente não considerando somente o local onde cada sítio está situado, mas também toda a área possível de captação de recursos, a qual pode compreender diferentes formações florísticas.
Dados paleoambientais sugerem uma preferência por vegetações abertas, entre as quais inclui-se o complexo sistema de áreas de cerrado, [grifos nossos] fundamental no sistema de abastecimento dos grupos. (Schmitz 1976-1977; Schmitz et al. 1986; Simonsen 1975)
Grande parte dos sítios de caçadores-coletores antigos, ao menos localizados, encontra-se em ambientes fechados: abrigos sob rocha em arenito e quartzito e grutas localizadas em maciços calcários com níveis que atingem até 3 m de profundidade e de 100 a 1500 m² de extensão.
Nos abrigos, grutas e cavernas se tem uma visão mais completa da cultura arqueológica, pois foram preservados os estratos e estruturas com os artefatos líticos, os restos de alimentos, os sepultamentos e as pinturas e/ou gravuras. Nesses sítios as formas e funções são percebidas mais facilmente.
Os sítios a céu aberto são menos visíveis e mais difíceis de serem localizados. Neles costumam está presentes, sobretudo artefatos líticos e, raramente, estratos ocupacionais. Por isso é mais difícil de perceber sua função: muitas vezes são áreas de mineração e lavor inicial de matéria-prima (madeira e/ou pedras), mas não se exclui, ao contrário, deve-se supor que, junto com eles, tenha havido um acampamento mais ou menos demorado e repetido.
Evidências
“A indústria lítica é muito característica. Para a produção dos artefatos eram usados, de preferência, rochas ou minerais da família dos quartzitos e das calcedônias, disponíveis sob forma de bloco, nódulos ou seixos, tanto nas áreas de formação arenítica quanto calcária. As bases buscadas são grandes e grossas lascas produzidas por lascamento unipolar, formadas por sucessivas reduções para fabricar longos raspadores terminais, semelhantes a lesmas, ou então raspadores em pata de cavalo, raspadores laterais ou raspadeiras. (...) Como a matéria-prima se apresenta em grandes volumes, o retalhamento produziu um refugo muito abundante, que consta de núcleos, de dimensões consideráveis, lascas de desbaste, de produção primaria e secundaria, alem de grande numero de estilhas”. (SCHMITZ, 1984)
Além do material lascado, para o qual se usavam rochas duras, mas que produziam bom resultado por lascamento, existia numeroso material alisado ou picoteado, para o qual, em Serranópolis/GO, usaram-se seixos de basalto. Com eles se produziram mós de faces polidas planas ou deprimidas, ou suportes com pequenas superfícies esmagadas e enegrecidas, alem de mãos, ou esmagadores, de extremidades alisadas. Existiam ainda percutores que podiam ser de quartzito ou de basalto.
Os artefatos ósseos se compunham, fundamentalmente, de espátulas feitas sobre o metatarso, metacarpo ou rádio de animais como o veado, uma de cujas extremidades era retirada e esta se transformava por abrasão, numa espátula de corte inclinado simples. Estas espátulas apresentavam polimento e brilho, produzido pelo uso intenso.
Os restos de alimentos são abundantes e bem preservados em algumas áreas estudadas, especialmente em Serranópolis/GO, onde se lhes dedicou maior cuidado. Eles se compõem, sobretudo, de ossos de uma caça generalizada e de alguma coleta. (SCHMITZ, 1980)
Não foram encontrados sepultamentos certos para os espessos estratos datados dentro do período. Por esta razão, ainda é uma incógnita saber como a população depositava os seus mortos.
Todos os abrigos habitados têm pinturas rupestres que fazem parte da cultura arqueológica. Encontram-se em maior parte no teto e nas paredes, bem como em blocos no chão. O estilo destas pinturas e gravuras não acompanha linear e uniformemente o complexo lítico, mas se diversifica, assumindo variações de área para área. Tais variações regionais podem ser tidas como mais um elemento da identidade de cada grupo.
Caçadores-Coletores
Ao que tudo indica os caçadores-coletores estariam organizados em pequenos grupos, compostos provavelmente por algumas famílias, as quais tinham grande mobilidade espacial em um território imprecisamente demarcado. (SCHMITZ, 1984)
É provável que os primeiros caçadores-coletores tenham utilizado técnicas de forrageamento na exploração de plantas e animais disponíveis em uma área. Estudos revelam uma economia caçadora-coletora estruturada basicamente em produtos de coleta vegetal, de acordo com Neves et al. (1996), a incidência de cáries nos indivíduos indica uma dieta rica em carboidratos.
Os animais caçados compreendem mamíferos, como veados, tatus, roedores grandes e pequenos. Répteis, como lagartos, tartarugas e jacarés. Aves variadas, tanto pequenas quanto grandes como a ema, de cujos ovos se mostraram abundantes em pequenos fragmentos de casca.
É a partir dos caçadores-coletores que surge a idéia de fixar-se na terra, com o advento de novas armas a caça passa a suprir as necessidades do grupo, além claro, da coleta de frutos. Vale ressaltar que a estocagem não se fazia no período, as culturas eram puramente de subsistência.
Apesar de haver numeroso sítios espalhados pelo Centro-Oeste brasileiro e áreas intensamente ocupadas, temos de concordar que a população responsável por sua criação deveria ser constituída por bandos frouxamente estruturados, envolvendo, cada um, talvez duas dúzias de indivíduos. Cada bando ocuparia amplo espaço no planalto, com seu a acampamento central e de referência num conjunto de abrigos e seu abastecimento anual acompanhando diversidade de recursos. Áreas ricas, como Serranópolis/GO, serviam de abrigos para encontros de vários bandos, rituais e casamentos.
Como esta população apareceu no Brasil, ainda é uma pergunta. Como se trata de uma formação cultural ampla, que abrange o território das savanas tropicais, o seu desenvolvimento pode ter-se dado em qualquer lugar desse espaço.
Considerações finais
Ao longo deste artigo, e como anunciado na introdução, procuramos refletir sobre o desenvolvimento humano num período singular, o Holoceno, e apresentamos de maneira sucinta a ação humana sobre a natureza, de modo a extrair os benefícios desta a seu favor e a favor de todo o grupo, em particular os caçadores-coletores. Mostramos que não podemos pensar, uma vez tida uma idéia, que ninguém antes possa tê-la idealizado, pois o simples fato de se amolar uma superfície cortante já vem sendo utilizado desde os primórdios.
Por último, concluímos ser importante que o historiador mantenha sempre uma postura investigativa, isto é, de busca sobre si mesmo, quanto homem, e sobre os contextos onde o desenvolvimento e a atuação humana andam de mãos dadas.
REFERÊNCIAS
SCHMITZ, P. I. A evolução da cultura no sudoeste de Goiás. Pesquisas, Série Antropologia, São Leopoldo Instituto Anchietano de Pesquisas/UNISINOS, v. 31, p. 185-225. 1980.
SIMONSEN, I. Alguns sítios arqueológicos da série Bambuí em Goiás. Goiânia: Universidade Federal de Goiás. Museu de Antropologia, UFGO, Notas Prévias, 1975.
SCHMITZ, P. I. Caçadores e Coletores da Pré-Historia do Brasil. São Leopoldo: Instituto Anchietano de Pesquisas, 1984.
¹ Graduando em História Licenciatura Plena pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
² Professor Orientador: Doutor pela Universidade Federal da Bahia, no PPGCS/Área de Antropologia /Arqueologia. Professor Adjunto do Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.