quinta-feira, 15 de julho de 2010

Os donos do poder

Passados 25 anos do fim da ditadura militar no Brasil, podemos considerar que vivemos num país plenamente democrático? Creio que a resposta mais prudente desta pergunta é: em termos. Se não vivemos numa democracia em sentido mais amplo, cujo princípio fundamental é o da igualdade, é inegável que temos o que alguns autores chamam de “democracia eleitoral” na qual há uma ampla liberdade de organização política, eleições periódicas, liberdade de expressão, sem ameaças de (mais uma) intervenção militar na política brasileira, E, como diz Luis Felipe Miguel “Em meio a constantes crises-econômicas, éticas, de governabilidade – a democracia brasileira mostrou-se capaz de resistir, sem que o retrocesso político surgisse como alternativa possível para qualquer força social relevante”


Por outro lado, parece não termos ainda uma democracia num sentido mais amplo, ou seja, como forma de governo que tenha como um dos seus princípios a igualdade. Mesmo reconhecendo que houve inegáveis avanços sociais, especialmente a partir de 2002, com o governo Lula, com a redução da pobreza, o país ainda mantém um padrão de desigualdades que, para citar Luis Felipe Miguel mais uma vez, compromete a qualidade da democracia. O autor acrescenta que, além de desses (graves) problemas, há outro aspecto relevante para se analisar a qualidade da democracia no Brasil: a grande concentração dos meios de comunicação (“O possível, aquém do necessário: transformando a ação política da mídia no Brasil”).


Nesse sentido, desde o fim da ditadura militar, se houve avanços, em relação especificamente à concentração dos meios de comunicação, houve um retrocesso: em vez de diminuir, a concentração cresceu. E, concentrada nas mãos de poucos grupos (econômicos, familiares, políticos etc.), não há pluralidade de informações, condição essencial numa democracia.


Os dados a respeito da concentração dos meios de comunicação mostram que a tendência tem sido de crescimento. No início dos anos l990, ou seja, pouco depois do fim da ditadura militar, havia nove grupos de empresas familiares que controlavam a grande parte da mídia no Brasil: Abravanel (SBT), Bloch (Manchete) Civita (Abril), Frias (Folha), Levy (Gazeta) Marinho (Globo) Mesquita (O Estado de S. Paulo) Nascimento Britto (Jornal do Brasil) e Saad (Grupo Bandeirantes).


Em 2002, esse numero se reduz para cinco: Bloch, Levy, Nascimento Brito e Mesquita já não exercem mais o controle sobre os antigos veículos. Houve, portanto, uma maior concentração e, ao mesmo tempo, esses grupos passam a atuar em outras áreas, ou s seja, além dos jornais e canais de televisão, esses grupos familiares controlam outros setores (provedores de internet, jornais, revistas TV aberta, por assinatura, rádio, etc.).


Venício A. Lima é um dos mais importantes estudiosos da mídia no Brasil publicou em 2001, um livro (“Mídia: teoria e Política”) em que analisando especificamente os meios de comunicação, procura inserir o Brasil no que chama de “cenário da globalização contemporânea” no qual um dos aspectos principais, é a oligopolização do setor, no qual uma das conseqüências é a enorme e sem precedente concentração da propriedade em reduzido número de mega-empresas mundiais.


O autor cita um estudo de McChesney, que mostra como o mercado global da mídia era comandado, naquele momento por dez enormes conglomerados, no qual 40 empresas eram (são) direta ou indiretamente associadas às primeiras.


No caso específico do Brasil, há o que ele chama de concentração horizontal (tratando-se da oligopolização ou monopolização que se produz dentro de uma mesma área do setor (ex. televisão), propriedade cruzada (ou seja, a propriedade, pelo mesmo grupo de diferentes tipos de mídia (o caso paradigmático em ambos é o da Rede Globo).


Além de grupos familiares, há de se levar em conta a expansão das igrejas (exemplo da Rede Record, propriedade da Igreja Universal do Reino de Deus, Rede Vida etc.) e o controle por parte de políticos. Um estudo feito em 2001 por Israel Fernando de Carvalho Bayma (“A concentração da propriedade dos meios de comunicação e o coronelismo eletrônico”, acessível no site www.donosdamidia.com.br) mostrou que das 3.315 concessões de rádio e televisão distribuídas pelo governo Federal, 37,5% pertenciam a políticos (de vários partidos).


Em 2004, um levantamento do Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação revelou que 38% dos senadores possuíam relação direta ou indireta com veículos de comunicação, a maioria do PFL (hoje DEM) com 58,8% seguido do PSDB com 54,5% e que também deputados federais e governadores de Estado são proprietários de emissoras de rádio e/ou televisão.


Dados relativos ao quadriênio 2007-2010 indicam que um terço dos senadores e mais de 10% dos deputados detêm o controle de rádios e/ ou televisões.


Quanto aos jornais, segundo dados da Associação Nacional de Jornais – ANJ – sobre a comercialização de jornais diários impressos há um alto grau de concentração na mídia impressa brasileira, tanto em termos de circulação, como de propriedade: numa pesquisa feita em 2001 e 2003, por exemplo, entre mais de 500 veículos de comunicação impressos de circulação diária em todo país, os dez maiores jornais estavam localizados na região Sul e Sudeste e apenas seis grupos empresariais concentravam a propriedade de mais da metade da circulação diária de notícias impressas no país (mais precisamente 55,46%).


Assim, pode-se constar que a mídia brasileira carece de pluralismo e como afirma Venicio A. Lima “Corremos, de fato, o risco de estar assistindo a um processo de concentração de propriedades, de manutenção de velhas estruturas familiares, de fortalecimentos de elites políticas locais e regionais, acompanhado da presença significativa de igrejas no setor de comunicações, que pode se constituir em ameaça concreta, não só para a liberdade de expressão mais para a própria democracia no Brasil”]


*Homero Costa é professor do Departamento de Ciências Sociais da UFRN


quarta-feira, 14 de julho de 2010

Compra de terra por estrangeiro será rastreada.

A partir de agora empresas brasileiras que possuem capital estrangeiro terão as operações de compra de terras rastreadas no Brasil. De acordo com reportagem do Estadão, a corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou ontem que os cartórios de notas e de registro de imóveis repassem informações sobre esse tipo de negócio a cada três meses. Segundo o jornal a medida aumentará o controle do avanço estrangeiro sobre o território brasileiro, que atualmente equivale a quase três vezes o tamanho da cidade de São Paulo.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

A Veja e o meu pai.


Hoje, dia 10 de junho do ano de 2008, foi o dia em que meu pai cancelou a renovação da Revista VEJA.É bem verdade que há fatos históricos um tanto quanto mais importantes e você deve estar se perguntando 'o que cargas d'água eu tenho a ver com isso?'. Não é nenhuma tomada de Constantinopla, queda da Bastilha ou vitória da Baia dos Porcos. É um ato de pequenas dimensões objetivas, realizado no espaço particular de uma família de classe média brasileira, sem relevantes conseqüências materiais para as finanças da Editora Abril, sem repercussões no latifúndio midiático nacional. A função deste texto, portanto, é a de provar que meu pai é um herói.


A Revista VEJA se diz assim: 'indispensável ao país que queremos ser'. Começa e termina com propagandas cujo público alvo é a classe média e, nela, claro, meu pai. Banco Bradesco, Hyundai, H. Stern. Pajero, Banco Real, Mizuno. Peugeot, Aracruz, Nokia. Por certo, a classe média – inclusive meu pai – dificilmente terá acesso à grande parte dos bens expostos na vitrine de papel. Não importa. Mais do que o produto, a VEJA vende o anseio por seu consumo. Melhor: credita em seu público-alvo, a despeito de quaisquer probabilidades, a idéia de que ele, um dia, chegará lá.


Logo no comecinho, na terceira e quarta folhas, estão as páginas amarelas da Revista. Nelas, acham-se as entrevistas com personalidades tidas como renomadas e com muito a dizer ao país. Esta semana a VEJA apresenta as opiniões de Patrick Michaels (?), climatologista norte-americano que afirma a inexistência de motivos para temores com o aquecimento global. Na semana passada, deu-se voz ao 'jovem herói' Yon Goicoechea (?), um 'líder' estudantil venezuelano oposicionista de Chávez e defensor da tese de que a ideologia deve ser afastada para que a liberdade seja conquistada contra o regime 'ditatorial' chavista.


Não. Não é que a VEJA não conheça o aumento dos níveis dos mares, dos números de casos de câncer de pele, do desmatamento da Amazônia, da escassez da água e dos recursos naturais como um todo e de suas conseqüências na produção mundial de alimentos. Sim, ela conhece. Não. Não é que ela não saiba que um estudante não representa sozinho o posicionamento democrático de uma nação e que um governo legitimamente eleito não pode ser chamado de totalitário. Sim, ela sabe. Do mesmo modo que conhece e sabe da existência de diferentes opiniões (ideológicas, como tudo) sobre ambos os assuntos e não as manifesta. Acontece que isso ela também vende: o silêncio sobre o que não é lucrativo pronunciar.


Do meio pro final da Revista estão os casos de corrupção. Esta é a parte do 'que vergonha, meu filho, quando isso vai parar?' dito pelo meu pai, com decepção na voz. A VEJA desenvolve um movimento interessante de despolitização nesse debate. Ela veste o figurino do combatente primeiro da corrupção, aquele sujeito que desvendará as artimanhas, denunciará os ladrões e revelará 'a' verdade, única, inabalável. Com isso, a VEJA confere centralidade à corrupção no debate político, transformando a política em caso de polícia e escondendo o fato de que o seu próprio exercício policialesco é inerentemente político.


No fim, 'todo político é ladrão' – menos os do PSDB, claro, todos 'intelectuais' -, 'política não presta', o que presta mesmo é a Revista VEJA. A Revista é ainda permeada por textos de cronistas e colunistas. Estão, entre seus autores, Cláudio de Moura Castro, Lya Luft e Roberto Pompeu de Toledo. Todos dignos do título de 'cidadão de bem', conscientes e responsáveis. Evidentemente, todos de posicionamentos um tanto moralistas e um tanto conservadores. Difere-se deles Diogo Mainardi. Este, conhecido por chamar o Presidente da República de 'minha anta' e por sua irreverência desrespeitosa e direitista, escancara a alma da VEJA. Mas não se engane. Não é Mainardi o perigo. São os outros.


Foram eles que meu pai um dia leu com respeito e é aquela auto-imagem que a VEJA quer – como tudo – vender. Sem dúvida a Revista VEJA é ainda mais que isso. Suas estratégias de persuasão vão muito além dos limites deste breve texto. Afinal, é ela a revista mais lida no país, parte significativa de um império da concentração do poder de informar. Seja nas suas 'frases da semana', nas quais há de costume as fotografias de uma mulher bonita dizendo bobagem e de um homem-autoridade falando coisa inteligente e importante, seja no fetiche da citação 'eu li na VEJA', faz-se ela um dos mais eficazes instrumentos de convencimento a favor da classe dominante.


Meu pai, por sua vez, é um trabalhador. Casado com Fátima, minha mãe, e pai também de Rafael, criou seus filhos com princípios que ele preserva como inalienáveis. Já votou no PT. Já votou no PSDB e mesmo no PFL ('porque foi o jeito, meu filho!'). Opõe-se a qualquer tipo de ditadura (conceito no qual incluía até pouco tempo o governo de Chávez: coisas da VEJA). Já se disse socialista, na juventude. É praticante da doutrina espírita desde menino. Discorda de mim em milhares de coisas. Concorda noutras. É um bom e sonhador homem com quem eu quero sempre parecer.


Hoje, ele cancelou a renovação da Revista VEJA, aquilo que para ele já foi seu meio de conhecimento do mundo, depois de chamar de 'idiota' a entrevista daquele herói das páginas amarelas sobre o qual falei acima. Antes, havia criticado fortemente um artigo de Reinaldo Azevedo publicado na Revista, em que Azevedo falava atrocidades sobre Paulo Freire: 'meu filho, veja que besteira esse homem está dizendo sobre Paulo Freire'.


Hoje, ele operou uma mudança nesta realidade tão acostumada à perpetuação do estabelecido. Hoje, para o mundo, como em todos os dias da minha vida para mim, meu pai é um herói.


Roberto Efrem Filho é mestrando em direito pela UFPE e filho de Roberto Efrem, a quem dedica este artigo.