Passados 25 anos do fim da ditadura militar no Brasil, podemos considerar que vivemos num país plenamente democrático? Creio que a resposta mais prudente desta pergunta é: em termos. Se não vivemos numa democracia em sentido mais amplo, cujo princípio fundamental é o da igualdade, é inegável que temos o que alguns autores chamam de “democracia eleitoral” na qual há uma ampla liberdade de organização política, eleições periódicas, liberdade de expressão, sem ameaças de (mais uma) intervenção militar na política brasileira, E, como diz Luis Felipe Miguel “Em meio a constantes crises-econômicas, éticas, de governabilidade – a democracia brasileira mostrou-se capaz de resistir, sem que o retrocesso político surgisse como alternativa possível para qualquer força social relevante”
Por outro lado, parece não termos ainda uma democracia num sentido mais amplo, ou seja, como forma de governo que tenha como um dos seus princípios a igualdade. Mesmo reconhecendo que houve inegáveis avanços sociais, especialmente a partir de 2002, com o governo Lula, com a redução da pobreza, o país ainda mantém um padrão de desigualdades que, para citar Luis Felipe Miguel mais uma vez, compromete a qualidade da democracia. O autor acrescenta que, além de desses (graves) problemas, há outro aspecto relevante para se analisar a qualidade da democracia no Brasil: a grande concentração dos meios de comunicação (“O possível, aquém do necessário: transformando a ação política da mídia no Brasil”).
Nesse sentido, desde o fim da ditadura militar, se houve avanços, em relação especificamente à concentração dos meios de comunicação, houve um retrocesso: em vez de diminuir, a concentração cresceu. E, concentrada nas mãos de poucos grupos (econômicos, familiares, políticos etc.), não há pluralidade de informações, condição essencial numa democracia.
Os dados a respeito da concentração dos meios de comunicação mostram que a tendência tem sido de crescimento. No início dos anos l990, ou seja, pouco depois do fim da ditadura militar, havia nove grupos de empresas familiares que controlavam a grande parte da mídia no Brasil: Abravanel (SBT), Bloch (Manchete) Civita (Abril), Frias (Folha), Levy (Gazeta) Marinho (Globo) Mesquita (O Estado de S. Paulo) Nascimento Britto (Jornal do Brasil) e Saad (Grupo Bandeirantes).
Em 2002, esse numero se reduz para cinco: Bloch, Levy, Nascimento Brito e Mesquita já não exercem mais o controle sobre os antigos veículos. Houve, portanto, uma maior concentração e, ao mesmo tempo, esses grupos passam a atuar em outras áreas, ou s seja, além dos jornais e canais de televisão, esses grupos familiares controlam outros setores (provedores de internet, jornais, revistas TV aberta, por assinatura, rádio, etc.).
Venício A. Lima é um dos mais importantes estudiosos da mídia no Brasil publicou em 2001, um livro (“Mídia: teoria e Política”) em que analisando especificamente os meios de comunicação, procura inserir o Brasil no que chama de “cenário da globalização contemporânea” no qual um dos aspectos principais, é a oligopolização do setor, no qual uma das conseqüências é a enorme e sem precedente concentração da propriedade em reduzido número de mega-empresas mundiais.
O autor cita um estudo de McChesney, que mostra como o mercado global da mídia era comandado, naquele momento por dez enormes conglomerados, no qual 40 empresas eram (são) direta ou indiretamente associadas às primeiras.
No caso específico do Brasil, há o que ele chama de concentração horizontal (tratando-se da oligopolização ou monopolização que se produz dentro de uma mesma área do setor (ex. televisão), propriedade cruzada (ou seja, a propriedade, pelo mesmo grupo de diferentes tipos de mídia (o caso paradigmático em ambos é o da Rede Globo).
Além de grupos familiares, há de se levar em conta a expansão das igrejas (exemplo da Rede Record, propriedade da Igreja Universal do Reino de Deus, Rede Vida etc.) e o controle por parte de políticos. Um estudo feito em 2001 por Israel Fernando de Carvalho Bayma (“A concentração da propriedade dos meios de comunicação e o coronelismo eletrônico”, acessível no site www.donosdamidia.com.br) mostrou que das 3.315 concessões de rádio e televisão distribuídas pelo governo Federal, 37,5% pertenciam a políticos (de vários partidos).
Em 2004, um levantamento do Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação revelou que 38% dos senadores possuíam relação direta ou indireta com veículos de comunicação, a maioria do PFL (hoje DEM) com 58,8% seguido do PSDB com 54,5% e que também deputados federais e governadores de Estado são proprietários de emissoras de rádio e/ou televisão.
Dados relativos ao quadriênio 2007-2010 indicam que um terço dos senadores e mais de 10% dos deputados detêm o controle de rádios e/ ou televisões.
Quanto aos jornais, segundo dados da Associação Nacional de Jornais – ANJ – sobre a comercialização de jornais diários impressos há um alto grau de concentração na mídia impressa brasileira, tanto em termos de circulação, como de propriedade: numa pesquisa feita em 2001 e 2003, por exemplo, entre mais de 500 veículos de comunicação impressos de circulação diária em todo país, os dez maiores jornais estavam localizados na região Sul e Sudeste e apenas seis grupos empresariais concentravam a propriedade de mais da metade da circulação diária de notícias impressas no país (mais precisamente 55,46%).
Assim, pode-se constar que a mídia brasileira carece de pluralismo e como afirma Venicio A. Lima “Corremos, de fato, o risco de estar assistindo a um processo de concentração de propriedades, de manutenção de velhas estruturas familiares, de fortalecimentos de elites políticas locais e regionais, acompanhado da presença significativa de igrejas no setor de comunicações, que pode se constituir em ameaça concreta, não só para a liberdade de expressão mais para a própria democracia no Brasil”]
*Homero Costa é professor do Departamento de Ciências Sociais da UFRN